Ovos de Dezembro

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Uma coisa que se descobre com o tempo é que os velhos gastam mais energia que os jovens, mais energia para se levantar, para se sentar, para sair da cama e correr para o banheiro antes que uma desgraça aconteça. Por isso, passo a maior parte do meu tempo economizando energia ficando sentado no sofá assistindo à televisão. Sei que prejudico minha saúde assim, mas a verdade é que só encontro forças em um único dia do ano: o primeiro de dezembro.

Dia em que defendo minha casa do terrível Felipe.

Estou sentado no sofá, assistindo a um programa de pesca, quando meus olhos descolam da televisão e batem no calendário pendurado na parede. Ao ver o número 1 seguido da palavra dezembro, uma onda de calor se espalha pelo meu corpo, uma urgência seguida de adrenalina. Volto a ter trinta anos, não, vinte e cinco. Levanto-me de supetão e vou quase correndo para a área de serviço e pego uma vassoura. Volto, cruzo a sala e abro a porta com tudo. Saio empunhando a vassoura como se fosse um bastão de combate. Ali, no alpendre, olho para o portão baixo de madeira, depois para um lado da rua, em seguida o outro. Não avisto meu inimigo, mas sei que virá. Em dias de sol como aquele, ele costuma aparecer antes do meio-dia, e já são dez e vinte da manhã. Sento-me na cadeira de madeira que deixo no alpendre, coloco a vassoura atravessada sobre o colo e espero.

Ele virá, sempre vem.

Minha guerra com Felipe começou oito anos atrás. Na época, ele era um menino de dez anos, meio gordinho, de cabelos loiros encaracolados, mas só uma pessoa muito ingênua o veria como um anjinho. Era primeiro de dezembro também e garoava. Eu estava na cozinha lavando a louça do almoço quando ouvi três batidas na porta. Estranhei porque alguém só bateria na porta se pulasse o portão ou se o encontrasse aberto. Naquele momento, minha esposa estava no quarto falando com um de nossos filhos ao telefone, então enxuguei a mão no pano de prato e fui ver quem era.

Abri a porta e não vi ninguém, apenas três meninos de bicicleta se afastando. Reconheci o Felipe porque o pai dele era o médico da minha esposa. Eles moravam na rua de trás. Dei um passo para frente e levei um susto ao pisar em algo que estalou. Olhei para baixo e me surpreendi ao ver cascas de ovos no capacho. Antes que eu me perguntasse o que havia acontecido, vi as três marcas de ovos na porta, o melado escorrendo pela madeira, e matei toda a charada.

– Mas que pestes! – falei, olhando para a esquina, onde os meninos não estavam mais.

Sabia porque fizeram aquilo. Nas férias de julho passado, uma pipa caíra no meu quintal. Em vez de devolvê-la aos meninos, rasguei-as na frente deles babando de raiva. Hoje, olhando para trás, sei que não devia ter feito aquilo, mas naquele dia o nervoso subiu porque a linha da pipa havia se emaranhado na antena da televisão e desajustado a sintonia dos canais justo no momento em que iam mostrar a classificação dos pilotos da Fórmula Um para a corrida de domingo, esporte que adoro. Isso me tornou o velho chato da rua, o "Bruxo do 71" em alusão à personagem do seriado Chaves.

Limpei a porta com um pano, varri as cascas de ovo e lavei o capacho. Esqueci o que os meninos fizeram dez minutos depois.

Mas no ano seguinte, precisamente em primeiro de dezembro, Felipe e seus amigos atacaram seis ovos na minha porta. Foi nesse dia que entrou a vassoura na história. Com ela em mãos, corri atrás dos meninos pela rua. Não sei se lhes daria vassouradas ou se apenas a brandiria no alto enquanto gritava com eles. Fato foi que nem cheguei perto de alcançá-los, pois além de eles estarem de bicicleta, eu não era um homem, digamos, muito ágil.

Quando voltei para casa, minha esposa, Dolarinda, tentou apaziguar a situação.

– São moleques – disse ela, sorrindo com doçura.

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