{capítulo cinco}

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...belas palavras...

     Acordei mais cedo, o que não era de costume. Sentia um misto de animação com ansiedade. Embora eu estivesse um pouco cansada da noite anterior. Não conseguia esquecer o Pedro e aquela festa “perfeita”.
      Me deparei olhando para o espelho e rindo sozinha. Estava feliz e leve, sem nenhum motivo.
      – Júlia – minha mãe falou em um tom rude em quanto eu descia as escadas – precisamos conversar. 
       Aquele sorriso, havia ido embora, junto com a música que só conseguia escutar o seu fundo metálico bem baixo. Meu coração acelerou e perdi a noção de tudo por alguns segundos.
       – Oi – tirei o fone com um leve sorriso para disfarçar – não era pra você está no hospital?
       – Agora você desobedece minhas regras e as da Beatriz? – ela não respondeu minha pergunta.
       – Sério mesmo que você falou com ela? – dirigi as palavras a bia.
       – Eu não tenho nada a ver com isso – ela abriu a porta – essas conversa é entre vocês – e foi embora.
       – Não fuja do assunto Júlia – ela me olhava fixamente.
       – Fugir de que? Você sabe que sai ontem anoite.
        – Você estava de castigo, me desobedeceu e ainda desobedeceu sua prima – seu tom de voz aumentou.
        – Qual o problema? Você nunca se importou, nem reparou que eu cheguei tarde - meu tom de voz aumentou.
       – Não grita comigo – ela me interrompeu.
       – Fala sério mãe, agora você se importa? Foram dezesseis anos de ausências e brigas, um pai que nunca me procurou, a dislexia que sempre me atrapalha e ainda tem os “amigos” da escola – as lágrimas desceram incontroláveis – eu estou cansada de tudo, e mesmo assim eu sempre estou sorrindo pra dizer que “está tudo bem”, mas ninguém se importa, qual foi a última vez que você me perguntou como foi meu dia? Qual reunião que você compareceu? Eu fui nessa festa, e sim, esse foi o melhor dia da minha vida, o MELHOR – respirei fundo – por muito tempo eu não sabia o que era me sentir bonita, mas ontem, eu sorri e até dancei. Coisas que eu havia esquecido há anos, porém você tem razão, estou errada, eu sempre vou ser a menina rebelde do fundo da sala – deu um sorriso irônico.  
       Seu rosto estava cheio de lágrima e sua fala demorou a sair.
       – Eu sou a culpada por tudo, me desculpa por ser uma péssima mãe – ela enxugou as lagrimas.
       – Eu não disse isso – gritei – que droga – fiquei sem palavras – por que quando eu resolvo falar tudo que sinto sempre sou julgada, é como se a culpa toda fosse minha.
        Uma buzina familiar havia soado, era meu pai que as vezes me levava para a escola.
        – Júlia, eu não quero ouvir mais nada – ela pegou a bolsa.
        – Sempre é isso – a buzina ecoou novamente – Tchau pra você também – coloquei a mochila em um ombro só.
        Era uma manhã fria de março, o dia estava nublado, assim como meus pensamentos naquele momento. 
        Todo aquele sorriso havia ido embora. Não conseguia pensar em mais nada, a dor interior era imensa, era como se apertassem meu coração.  No caminho para o carro enxuguei as lágrimas com a manga do casaco e respirei fundo. 
       Entrei no carro sem dar bom dia (como de costume). Pelo retrovisor pude ver que meu rosto estava vermelho e inchado. Permaneci em silêncio e assim eu pretendia ficar até chegar a escola porém...
       – O que aconteceu? – meu pai perguntou.
       – Agora você quer fazer o papel de pai? – fui irônica.
       Ele engoliu a saliva e não disse mais nada.
       O carro parou na porta da escola e a única a se despedir foi a Sophia, minha meia irmã.  Ainda era cedo e a escola estava vazia. Meus olhos estavam perdidos quando encontraram os do Pedro.
       – Oi – ele se aproximou.    
       Não respondi nada, apenas o abracei e desabei a chorar.   
       Sua mão tocou levemente meu cabelo, ele havia dito alguma coisa que não consegui escutar, mas eu estava confortável em seus braços e isso que importava.
       – Eu tinha uns doze anos quando eles se separaram, me lembro que nessa época foram várias emoções, a Camila deixou de ser minha amiga, a bia estava de mudança para a nossa casa, eu ia ganhar uma irmã que não era filha da minha mãe e ainda tinha a dislexia que piorou nessa época – as lágrimas caíram e foram enxugadas pelo Pedro – eu piorei na escola e me afastei de todos, minha única amiga era minha prima, depois disso tudo eu mudei completamente.
       Nós estávamos na quadra de esporte da escola, ali sempre ficava vazia, pois não era permitido que os alunos ficassem lá na hora da entrada. Alguns depredavam o património escolar e outros ficavam namorando escondido, por isso era proibido.
        – Eu estou com você – ele entrelaçou sua mão na minha – pode contar comigo, prometo te  mostrar o lado bonito do mundo. 
        Encostei minha cabeça em seu ombro e ficamos lá, sem dar nenhuma palavra até o sinal bater.
        Subimos e fomos para a sala, no caminho esbaramos com alguns alunos eufóricos a caminho da aula de educação física o que atrapalhou o intenso e longo silêncio, mas gerou um riso do Pedro pra mim. 
        Assistimos aos dois primeiros tempos de aula, o que deu tempo de dar mais algumas revisadas no texto, já que a próxima aula, antes do intervalo seria de filosofia. 
        A Maria começou a chamar as duplas e a ansiedade só aumentava, escutei nosso nome e um imenso frio na barriga tomou conta de mim. Não senti nada na pequena caminhada até o quadro. Só me dei conta que estava lá quando o Pedro começou a apresentar o trabalho. 
       Apresentamos tudo corretamente, mas faltava alguma coisa, então...
       – Devemos amar de todas as formas, tem o amor de mãe e filho, também entre amigos, amor entre pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, cada um tem uma forma de amar. Sendo igual e diferente, diferente na forma em que eles demostram esse amor e igual na forma em que eles demostram esse amor é, pode ser a mesma coisa, mas só quem ama de verdade, me compreende. – falei isso tudo sem perceber. 
       Todos aparentemente gostaram e percebi até um olhar confiante da professora para mim.
        Já estava me sentindo melhor, o choro foi apenas um desabafo e a companhia do Pedro me fazia bem. Fomos para a oficina e ficamos esperando a professora por alguns minutos, que chegou com novos figurinos e toda animada.
       – Já estamos quase em abril e a peça será no meio do ano, precisamos definir o tema hoje, como eu havia pedido, trouxeram alguma ideia? – a professora perguntou. 
       Alguns alunos começaram a debater alguns temas e eu no canto da sala levantei a mão timidamente.
      – Sim Júlia – ela sorriu.
       – Então, eu não tinha pensado em nada especifico, porque você sabe né, que eu não gosto muito disso, mas eu criei uma estória no fim de semana – entreguei o roteiro em suas mãos – é sobre dois amigos que descobrem estar apaixonamos, mas enfrentam algumas dificuldades como uma mudança para o exterior e o fato dele já ter uma namorada
       Ela folheou algumas páginas com um grande sorriso.
        – Fico feliz por você ter se interessado Júlia – ela colocou o roteiro em cima da mesa – nesse caso seria drama e romance, né?
        Respondi que sim com a cabeça.
         – Gostei, todos estão de acordo?
        Os alunos disseram muitos comentários positivos e alguns até incrementaram a estória. 
       Ficamos conversando sobre o figurino, a trilha sonora e reescrevendo alguns trechos da peça. 
       Estava orgulhosa de mim mesma, até que eu estava gostando das aulas e aos poucos as coisas estavam indo bem.
       Todos já haviam ido embora, só eu que ainda estava na escola esperando meu Pai me buscar, a Sophia tinha reunião e ele ia demorar alguns minutos.
        – Alguns professores  te elogiaram bastante – a Eduarda, diretora da escola se sentou ao meu lado.
       – Por que você deixou a gente ficar na quadra hoje mais cedo? – desliguei a música.
       – Desobedeci uma das regras da escola, que isso fique entre nós – ela sorriu – vi que você estava precisando, ele te faz bem.
       – É – sorri – ele é legal.
       – Estou orgulhosa Júlia, você não só está diferente, mas também está animada e feliz, parece que uma voz interior disse para você reagir e lutar por tudo – ela se retirou quando viu meu pai se aproximando.
       Aquelas palavras foram motivadoras, eu precisava ouvir aquilo.
        A Sophia veio correndo e me deu um forte e longo abraço. Embora meu pai fosse um idiota, ela não tinha culpa. Precisava reavaliar algumas coisas sobre minha vida.

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