Há meses haviam partido das Índias para retornar e entregar ao rei as mercadorias por ele encomendadas: tapeçarias das mais caras, jóias e especiarias das mais diversas.
O capitão do navio havia dito que conhecia uma rota nova, um atalho para chegar mais rápido até Lisboa, de onde havia partido o navio.
O capitão não era realmente o capitão, o verdadeiro capitão daquele navio havia morrido num confronto contra piratas que habitavam a Costa do Malabar, por onde haviam passado para negociar com alguns nativos. O capitão agora era um amigo de longa data do que morrera a meses atrás, o qual era um coreano que já devia ter seus quarenta anos. As rugas de seu rosto acentuavam a habitual carranca que levava consigo para onde quer que fosse, tinha um tom de voz autoritário, porém não era mais tão lúcido quanto já foi décadas atrás. Era um capitão improvisado que cismou de seguir uma rota diferente, abusando da autoridade e obrigando os homens à acrescentar mais alguns meses à essa longa viagem.
Jimin, seu filho, havia ido com seu pai, o atual capitão do navio, para essa viagem, estava curioso sobre como seria cruzar os mares. Sempre fora fascinado por velejar, e quando surgiu a oportunidade não pensou duas vezes, estava decidido a se alistar para essa aventura. Não conseguira muito respeito dos marujos, que caçoavam dele por ser o filho do capitão. Agora, após meses com a vista sendo ocupada pelo monótono azul do mar, já perdera um pouco desse fascínio que tinha, não era tão empolgante quanto achava que seria. Pelo menos não todos os dias.
A caravela navegava calmamente pelas águas inquietas do imenso oceano, um balanço que no início lhe dava enjoo. Jimin estava sentado no chão do convés, escrevendo mais uma vez no seu caderno de anotações, balbuciava se manteria isso como algo particular ou se quando chegassem à Lisboa venderia-o como registros de viagem. Já era noite, as estrelas preenchiam todo o céu, a Lua estava em seu auge, já deveria ser meia-noite, não sabia, durante as viagens perdia a noção do tempo. Ainda não havia aprendido a guiar-se pela posição das estrelas ou do Sol. Aquele caderno de folhas amareladas já estava preenchido por suas anotações dos dias que achara mais interessantes, ou até, misteriosos.
Passou a reler algumas páginas:
"Dia 76
Hoje percebi que faltava um homem na tripulação, não o vejo há dias.
Justo o que obrigamos a limpar os corais do casco do navio."
Passou algumas páginas adiante, relembrava os fatos gravados em sua mente, estavam nítidos, sempre tivera uma boa memória.
" Dia 84
Mais um marinheiro sumiu, não morreu no navio, pois os homens avisariam ou pelo menos eu os veria jogando o corpo no mar.
Foi mais um que se propusera a limpar o casco do navio."
Folheava as páginas do caderno meio amarelado e ria a cada vez que observava o idioma variando ao longo das páginas, algumas escritas em coreano, outras em um português precoce, ainda não dominara muito bem a linguagem, muito menos a escrita, quem sabe após mais alguns meses tendo de conviver com esses insubordinados não aprenda mais alguma coisa?
Folheava o caderno até parar em uma página que fizera questão de marcar com a fita vermelha que viera junto com o caderno. Esta estava escrita em coreano. No dia, estava tão entusiasmado que esquecera de treinar a escrita.
" Dia 102
Hoje vi uma mulher. Ela estava chamando um marinheiro para o mar, mas ela não era uma mulher comum, ela possuía escamas!
O marinheiro estava hipnotizado olhando a moça. Ele acabou cedendo e se jogando no mar. Depois disso nunca mais o vi."
Ele lembrou-se dos cantos que ouvia à noite, pareciam vozes femininas. Mas como? Estavam no meio do mar! Achava que estava enlouquecendo, esses meses em alto-mar estavam lhe tirando a sanidade. Deviam ser apenas alucinações.
Por fim guardou o caderno na bolsa que carregava, apoiou-se no costado e pôs-se a olhar as estrelas, tentava imitar a técnica que seu pai tentou lhe ensinar: de medir as estrelas. Assim saberia em que direção seguir, porém a falta de prática fazia parecer que o mesmo acenava para o céu como um completo idiota.
Riu do próprio fracasso, passou as mãos nos cabelos castanhos e deitou no convés, dormia ali já que recusava-se a dormir naquelas camas fedidas.
Acordou com os primeiros raios de sol do dia, abriu os olhos puxados enquanto piscava várias vezes, acostumando-se com a luz. Já havia movimento no convés, marujos iam para lá e para cá, permanecia deitado no chão de madeira até receber um balde de água no rosto, levantou-se de supetão para ver se identificava o autor da brincadeira.
-Desculpe, fazemos isso para saber se não estão mortos. - Disse um homem com um tom brincalhão, acompanhando a risada dos outros.
Jimin passou a mão pelos olhos, agora irritados pelo sal. Sua atenção desviou-se para uma discussão entre o piloto e o capitão. O capital praguejava com o homem, irritado, com as bochechas levemente avermelhadas, o outro acompanhava os gritos no mesmo tom de voz, se não mais alto.
-É para essa direção, tenho certeza! - Exclamava o capitão, segurando sua velha bússola em uma das mãos.
-Você está louco? Essa bússola está quebrada a anos! Estamos indo na direção errada a dias! - Gritava o outro, cerrando os dentes.
-Essa bússola nunca erra, é uma herança de família. Agora cale-se e siga minhas ordens! - Ordenou o capitão, gesticulando com a bússola de metal enferrujado, a qual realmente estava quebrada, apontava para o oeste em vez de para o norte.
O piloto bufou, voltou-se a sentar na cadeira da proa, pegou a bússola que havia comprado de alguns comerciantes, observou que a direção em que seguia a caravela era totalmente ilógica. Dessa forma iriam acabar na América Central! Talvez até se encontrassem com os holandeses nas Antilhas. Porém sabia que eles não seriam muito bem-vindos.
Jimin observava a discussão, segurava-se numa corda que estava presa à um dos mastros, sentia a brisa marítima balançar as velas triangulares daquela caravela. Desviou o olhar para o horizonte, a meses não via mais nada que não fosse o mar azul e o céu de um azul alguns tons mais claro, já havia se tornado monótono, alguns marinheiros enlouqueceram e atiraram-se ao mar com o passar dos meses, a lucidez vai se dispersando ao longo da viagem.
O dia passou como todos os outros, as ondas balançando o navio constantemente e o sol escaldante que tornava tudo mais exaustivo. No fim da tarde o céu finalmente se diferiu do mar assumindo o tom alaranjado, o sol se pôs no horizonte, dando lugar para a imensidão negra que era o céu noturno, dessa vez sem estrelas, a noite foi tomada pelas nuvens.
Jimin repetiu o hábito e deitou no convés, arrumou alguns panos para que ficasse mais confortável a cama improvisada.
Seu sono profundo foi despertado por um trovão. Levantou-se num pulo para ver de que direção o estrondo veio. Observou ao longe, uma tempestade se aproximava. Não era possível diferir as nuvens tempestuosas das demais, só se enxergava algo quando os raios riscavam o céu, seguido do barulho estrondoso dos trovões. O mar agitava o navio, a chuva descia sem piedade das nuvens carregadas, as ondas enormes quase viravam o navio, o convés estava encharcado devido às ondas que se chocavam com o casco da caravela, os marinheiros seguiam as ordens firmes de seu capitão, fazendo as respectivas amarras na tentativa de guiar o navio para fora da tempestade. Alguns homens caíam no mar, já sabiam que daquele dia não passariam, preparavam-se para seu descanso no fundo do oceano. A chuva embaçava a visão e as ondas impediam que qualquer um ficasse em pé. Jimin agarrava-se à uma corda quando viu seu pai, que segurava-se na proa, quase escorregando. Correu na direção dele, cauteloso para não ficar na mesma situação. Aproximou-se e estendeu o braço.
-Segura a minha mão! - Gritou, estendendo a mão para o pai.
O homem segurou no braço do filho e iria conseguir voltar ao navio, caso o mesmo não houvesse se mexido drasticamente após colidir com uma onda, o que fez com que o capitão escorregasse e acabasse soltando a mão de Jimin, indo de encontro ao mar.
-Pai! - Gritou, sentindo lágrimas quentes escorrerem por suas bochechas.
Via as ondas cada vez mais altas e agitadas, até observar o navio colidir com uma que não conseguiu ultrapassar.
O navio virou.
// Notas do autor //
Oi gente! Vocês gostaram desse capitulo? Não deixe de dizer sua opinião, bom, até a próxima ❤
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MERMAID + ᴘᴊᴍ
FanficUma bússola quebrada levou o navio do novo capitão às ilhas do Caribe. Jimin, o filho do capitão, nunca foi de acreditar em seres místicos, porém, um naufrágio o faria mudar seu ponto de vista sobre as criaturas que habitavam as profundezas dos oce...