Eu sou a Karen.

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Segunda feira, exatamente: 15h33 e eu estou na minha última aula de química. Gosto da minha escola, de desvendar os mistérios da ciência, mas estou aqui desde as 11h35 e minha cabeça não aguenta mais. Um dos meus hobbies preferidos é conversar comigo mesmo... Pois bem, já perceberam que eu não sou muito normal. Por exemplo: nesse exato momento, o professor está explicando a matéria olhando fixamente para os meus olhos, mas mal sabe ele que estou pensando em assuntos totalmente aleatórios.
- Entendeu, doce de leite? – perguntou o professor.
Sim, doce de leite é meu apelido. Da onde veio isso? Em um belo dia, há uns 05 anos, quando estava na 6ª série, esqueci o doce de leite dentro do carro e no dia teria piquenique. Minha mãe fez um escândalo, chamando a atenção de todos: "Abel, meu filho querido, você esqueceu o doce de leite, volte para pegar meu amorzinho" Imagine sua mãe gritando isso na frente de todos seus amigos. Sendo assim, desde desse dia, meu apelido é "doce de leite".
Thomas é meu professor de Química. Ele é um dos melhores professores que já tive, mas por conta das três aulas seguidas não estou conseguindo me concentrar.
- Claro – falei rindo.
Não demorou muito e o sinal bateu. Por alguns segundos pude sentir a sensação de liberdade. Vou finalmente para minha casa.
Naquele dia todos da escola só falavam de uma coisa, alias, de uma pessoa: Karen. Estudo com Karen desde meus 06 anos de idade. E desde criança ela já era do jeito que é. Pratica bullying com todos, só para vocês terem uma ideia: até com os professores. Não sei como ela ainda não foi expulsa. Lembro de uma vez, no ano passado, quando nossa professora mudou o corte de cabelo. Karen simplesmente falou: "Ficou horrível.". O problema maior é que todos começaram rir.
Um ano antes
- Bom dia, alunos – falou Alessandra – alguém reparou no meu cabelo? – perguntou animada entrando na sala de aula.
  Todos ficaram em silêncio.
- Se ela não tivesse avisado, eu nem teria notado que ela mudou de cabelo – cochuchou Mônica no meu ouvido.
- Eu tam... – comecei a falar, mas parei quando Karen, do outro lado da sala, começou a falar em voz alta.
- Eu não sei o que mudou desse cabelo – falou rindo – está horrível do mesmo jeito.
Todos riram. Eu fiquei em silêncio. Não achei graça. A professora estava animada com o novo corte... Tem coisas que não se deve falar.
Alessandra ficou vermelha. Não sei se é vermelha de raiva ou de vergonha, mas não demorou muito para perceber sua movimentação estranha. Ela saiu correndo da sala, provavelmente começou a chorar.
Atualmente
Coloquei meu caderno na mochila e me despedi de Mônica.
Mônica é minha amiga já faz alguns anos e desde o começo do ensino médio é minha dupla de química... Com certeza os melhores projetos e notas, são os nossos. Já ganhamos do diretor da escola um certificado de melhores alunos do colégio. Não sei se sou tão bom assim.
Estava a poucos centímetros de sair da sala de aula, até que Mônica me chamou.
- Abel, você acha que ela morreu?
- Ela quem?
- A Karen – sussurrou. 
- Sinceramente? – perguntei – eu acho que você deveria agradecer por ela não estar aqui. A única coisa que ela fazia 90% do tempo era criticar você... Seja falando do seu cabelo, da sua roupa...  – essas palavras fizeram Mônica ficar assustada.
- Abel, você não precisava ser tão grosso – explicou – olha o tom que você fala. Todo dia tem milhares de policiais na escola, se alguém ouvisse isso... Você seria um...
- Suspeito? – perguntei rindo - Eu só estou falando o que todo mundo já sabe.
Nos corredores, o mesmo assunto. "Karen". Passei pelo seu armário e lá estavam milhares e milhares de cartas e flores. Hoje faz uma semana que ela desapareceu. Karen era a copia perfeita das vilãs clichês que têm em todos os filmes de adolescentes. Aclamada por todos. A menina que todos os garotos queriam ficar. A qual fazia bullying com todo mundo. Tinha seu "squad" formado por: Ashley, Vic, Samanta e Valentina, que juntas são as mais populares do colégio.
- O que você faz parado olhando para a Karen?  Está com saudades? – perguntou uma voz rindo e colocando sua mão no meu ombro.
- Saí, Patrick – falei tirando sua mão do meu ombro – você sabe que não gosto dela.
- Você e mais metade desse colégio – falou rindo andando em direção à porta de saída – depois a gente conversa pelo WhatsApp, tenho que ir encontrar a Vic! É hoje que vai rolar.
- Boa sorte? – perguntei rindo.
- Ninguém me segura, papai – falou gritando enquanto fechava a porta. 
Patrick é um dos meus melhores amigos. Confesso que demos uma afastada quando ele começou a namorar com a Vic (essa mesmo, uma das amigas da Karen), mas mesmo assim, continuo considerando como melhor amigo. Ao contrario da Karen, a Victoria é uma pessoa boa. Sociável. Diferente da...
1 ano antes
"Karen Davis, o Sr. Willians está te esperando na direção. Repetindo: Karen Davis, o Sr. Willians está te esperando na direção" – anunciava a voz da coordenadora na caixa de som dos corredores do colégio.
Estou no meu armário pegando meus livros de física, e ela, Karen, no meu lado no seu armário com suas amigas.
- Amiga, o que você fez para o Sr. Willians estar te chamando na direção? – perguntou Samanta – você vai ser expulsa? Será que ele descobriu? Ferrou!
Karen começou a rir.
- Samanta, aprenda uma coisa, querida: eu nunca vou ser expulsa desse colégio. Eu tenho o Sr. Willians na minha mão – falou enquanto pintava suas unhas.
- Você vai à direção? – perguntou Vic.
- Claro que vou... Você acha que vou perder a oportunidade de enfrentar eles? – perguntou rindo.
Ela fixou seus olhos no meu e eu desviei o olhar rapidamente.
- Quer pintar a unha também?
Fechei meu armário e continuei andando.
Atualmente
Cheguei à minha casa e tomei café. Nesse dia teria a casa livre para mim, meus pais estão viajando e só vão voltar daqui a três dias. Barulho do WhatsApp.
"'É o Patrick, Abel! Como vai? Meu amigão! Preciso da sua ajuda... Como você está sozinho em casa e eu estou querendo ficar com a Vic, pensei em você! Por que você não dá uma festa na sua casa? Só com os amigos mais chegados?"
"Patrick, você sabe que se meus pais souberem que eu dei uma festa... Eles nunca mais vão me deixar ficar em casa sozinho... Vou ter que ficar indo nessas viagens chatas de trabalho com eles."
"Cara, eu juro que vai ser só dessa vez. Faz isso pra mim, nunca te pedi nada..."
Respirei fundo.
"Ok! Mas quem vamos chamar?"
"Relaxa que já fiz um grupo e todo mundo já ta ciente da sua festa... 21h vai começar! Não precisa se preocupar com nada! Vou levar tudo."
"Fez um grupo? Todo mundo? Quem é todo mundo? 21h? 21h é o horário que teria que estar acabando!"
"Fica sossegado, mano. Eu vou cuidar de tudo, prometo."
"Se você quebrar minha casa, você vai arrumar tudo."
Da última vez que eu confiei no Patrick, tiramos 0 no trabalho. Ele "prometeu" que ia levar o pen drive, mas esqueceu. Tenho uma péssima personalidade, não consigo dizer não para as pessoas. Odeio isso.
Antes da festa do Patrick começar, guardei todos os itens de valores e tirei todos os objetos de vidro da sala, para que ninguém quebre. Quem vai numa festa segunda feira às 21h, sendo que no outro dia, às 7h da manhã tem aula? Sinceramente, não entendo. Meu celular, que esta no meu bolso, começou a vibrar...
"ALARME – FAZER TRABALHO DE QUIMICA – Q01 AO Q05"
"Esqueci completamente! Agora são 17h34... Faço agora ou depois da festa? Melhor fazer antes da festa, nunca se sabe a hora que ela vai terminar..." pensei.
Abri minha mochila e peguei meu caderno. Mas tinha algo inusitado. Um caderno rosa... Com certeza deve ser de alguém na minha sala de aula. Peguei sem querer.
Fiz o trabalho numa folha separada e durou mais do que eu estava imaginando. Olhei para o relógio. 19h31. Nenhum sinal do Patrick.
"Cadê você?" mandei no WhatsApp
"To saindo do supermercado! Daqui a pouco estou aí! Comprei pão de queijo."
"Pão de queijo?"
"É... To comprando só para fingir que vai ter alguma coisa para comer, as pessoas vão levar o resto... Eu to interessado mesmo é no seu quarto."
"Meu quarto? Só se for no chão."
"Ou no seu quarto ou no quarto dos seus pais? Qual você prefere?"
"VOCÊ ME PAGA, PATRICK! Vai limpar a casa inteira depois."
"Pode deixar."
"Estou tirando print de tudo para ter minhas provas..."
Poucos minutos depois, Patrick chegou!
- Meu salvador! – falou me abraçando.
- Patrick, eu to fazendo isso porque você é muito meu amigo! A vizinha é melhor amiga da minha mãe, se ela ouvir algo...
- Fica sossegado! Ninguém vai descobrir nada...
Ajudei Patrick com as sacolas do supermercado e coloquei o pão de queijo no forno. Enquanto ele arrumava as coisas na cozinha, deitei na minha cama... Fiquei pensando se minha mãe descobrisse o que ela falaria: "Você fez uma festa? Como assim, Abel?" Não...Talvez um pouco mais dramático: "Você fez uma festa? Eu confiei em você, Abel! Nunca mais vou deixar você sozinho em casa."
- De quem é esse caderno? – perguntou Patrick.
- O rosa? – perguntei esticado na minha cama com os olhos fechados.
- Isso – respondeu.
- Deve ser de alguém da sala... Amanhã eu devolvo pro dono.
A campainha tocou.
- Deve ser a Vic – exclamou Patrick feliz deixando o caderno rosa em cima da mochila.
Levantei da minha cama e comecei a guardar as folhas do trabalho de química na mochila. Aproveitei para folhear o caderno rosa e percebi que todas as folhas estavam preenchidas. O caderno estava totalmente usado. Voltei para a primeira página e não tinha nome. Comecei a ler:
"Não pule. Não ouse em pular nenhuma página. Eu sei que você me odeia, Abel! Não só você, mas todos me odeiam. Eu não sei o que fazer. Só sei que você é o único que pode me salvar."
Sentei na cama e continuei.
"Tem alguém atrás de mim e esse alguém vai me matar. Eu tenho certeza disso. Mas antes da minha morte acontecer, eu preciso da sua ajuda! Você precisa descobrir quem é essa pessoa. Quem está me ameaçando. Eu só confio em você. E caso você esteja se perguntando, EU SOU A KAREN. A pessoa que quer me matar, com certeza, vai estar na sua casa hoje na festa do Patrick."
Parei e tentei puxar o ar. Karen escreveu um caderno inteiro antes dela sumir... Como ela sabia da festa do Patrick? Minhas pernas estavam tremulas. Será que o Patrick tem haver com algo?
- Oi, Abel! – se apresentou a Victoria.
- Oi – disse tremulo.
- Está tudo bem? – perguntou Patrick rindo.
- Não! Não está nada bem.

O Sumiço de KarenOnde histórias criam vida. Descubra agora