Alguém conhece esse caderno?

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- Estou fazendo um trabalho – falei sem jeito – um trabalho que envolve atuação. Aí estamos fingindo uma festa... O grupo está chegando com as câmeras.

- Que bacana! – falou Sônia animada.

Não sei se Sônia acreditou, mas eu nunca acreditaria. Uma casa cheia de adolescentes. Som alto. 21h30. Tudo isso um trabalho? Só a Sônia para acreditar.

- Se você precisar de alguma coisa... – falou – pode chamar o Almir. Ele é fotografo e gosta de filmar também.

Almir era o filho de Sônia.

- Pode deixar, obrigado – falei sorrindo.

A porta da minha casa abriu. Era um garoto desconhecido. Ele se inclinou e vomitou no jardim. Olhei para Sônia, estava assustada.

- Adorei! – gritei para o garoto – todo mundo da sala de aula vai acreditar que é um vômito real. Não liga não, Sônia. Estamos ensaiando. Batemos um monte de coisa no liquidificador e deu nisso, parece um vômito mesmo, né? Foi tudo planejado.

- Parece mesmo – falou fechando o portão da sua casa assustada.

Respirei fundo. Na onde está o caderno da Karen? E se alguém ler? Eu não sei o que está escrito lá e isso é o que me dá mais medo. Alguém pegou o caderno e eu preciso descobrir quem... Eu não posso continuar com essa festa. Peguei meu celular e abri minhas mensagens com o Patrick.

"Na onde você está?"

"Não quero falar com você. Não entra no seu quarto, estou com a Vic."

"Você pode estar com raiva de mim, mas a festa precisa acabar AGORA. A Sônia,a vizinha, acabou de conversar comigo. Ela sabe que está tendo uma festa aqui e vai contar para minha mãe. A casa inteira está fedendo bebida e vômito. PODE ACABAR AGORA."

"Sacanagem. Mas ok, vou pedir para todos irem embora."

A sala de estar estava uma completa bagunça. Eu nunca vi minha casa daquele estado. Comecei a observar todas as pessoas da festa e as suas relações com a Karen. Patrick realmente chamou o Ensino Médio inteiro do colégio.

Entre a sala de estar e a cozinha havia uma mesa. Patrick subiu nela.

- Antes de acabar a festa, vamos jogar! – gritou segurando uma garrafa de bebida.

Enquanto todos prestavam atenção no Patrick, que estava fazendo um show em cima da mesa, percebi uma cena inusitada. Uma pessoa com um moletom azul-marinho/preto estava segurando algo, sendo cuidadoso, como se não quisesse que ninguém percebesse sua presença. Comecei a segui-lo. A pessoa se inclinou, se desviando da multidão, e pude perceber que o objeto em suas mãos, era algo rosa com estrelas.

"... provavelmente Karen, encapou com um plástico rosa e decorou com alguns adesivos de estrelas."

Comecei a segui-lo em passos lentos, não queria que ele percebesse que eu estava o seguindo. A pessoa, provavelmente um garoto, começou a diminuir o ritmo dos passos e aproveitei para me aproximar. Estava a poucos metros da verdade.

- Pode parar aí – gritei colocando a mão em seu ombro – esse caderno é meu!

Todos ar redor pararam e começaram a prestar atenção na nossa conversa. A pessoa virou-se e o que estava em suas mãos era uma espécie de tampa e no chão, em sua frente, uma caixa. Ambas as partes tinham as cores rosa e o que eu pensei que fosse a estrela, na verdade, eram bolinhas brancas.

- O que? – perguntou rindo.

- Nada... Eu só pensei que fosse um livro da minha mãe – falei dando de costas.

Cadê esse caderno? Voltei para a rua e abri a lixeira novamente. O caderno realmente não está mais lá. Mônica se aproximou.

- Você ama essa lixeira, hein – falou rindo - Quer que eu te ajude a limpar tudo isso? – ofereceu.

- Fica tranquila – respondi – o Patrick vai arrumar tudo.

Pouco a pouco a festa foi acabando e a multidão sumindo, em poucos minutos a casa já estava praticamente vazia. Parece que ouvi Ashley dizer que Samanta (uma das amigas de Karen) iria continuar a festa na casa dela... Assim como Karen, Samanta é rica e já mora sozinha.

Enquanto esperava Patrick e Vic, observei a bagunça que estava minha casa. Todos os armários abertos e com marcas de ketchup... O fogão novo da minha mãe estava todo sujo de óleo. O chão estava escorregadio de tanta bebida. Eu não estou acreditando.

- Eu nunca imaginei ver sua casa nesse estado – falou Mônica – essas pessoas são um vândalo.

Finalmente Patrick apareceu com a Victoria.

- Desculpa por ter sido ridículo com você – falou Patrick olhando para meus olhos – Vic me explicou tudo. Nós vamos esperar o momento certo para isso acontecer.

- Que bom – respondi – podem começar a limpar a casa.

- Minha mãe mandou mensagem – falou Mônica – ela está na rua. Obrigada pela festa, doce de leite! A noite foi ótima.

- Essa noite foi maravilhosa mesmo – falei ironicamente encarando o Patrick.

- Abel, acho que eu vou indo também - falou Patrick.

- Indo pegar o pano de chão para limpar o vômito aqui no tapete? Por que se for, o pano está em cima da pia... Essa daqui é a chave reserva da minha casa, amanhã você entrega para mim na escola. Tranca a porta quando vocês saírem, eu vou dormir. Boa faxina para vocês.

Tranquei a porta do meu quarto e percebi, pelos barulhos, que Patrick e Vic estavam limpando a casa. Fiquei com um pouco de remorso, mas já passei por muita coisa hoje e não quero ver mais ninguém. A única pergunta que não saia da minha cabeça era: "Na onde foi parar o caderno de Karen?".

Fechei os olhos e dormi mais rápido do que eu imaginava.

8h34 e eu estou aqui na minha primeira aula. Aula de história. Quando acordei hoje, dei de cara com Patrick e Vic dormindo no sofá... Pelo menos a casa estava limpa, limpa de um jeito que eu nunca tinha visto antes.

Preparei três omeletes, um para cada um, e Patrick me contou que ficaram a madrugada inteira limpando a casa.

- Sua casa é muito grande – falou Patrick enquanto colocava o ketchup no omelete.

- Sua festa foi muito grande – corrigi.

Enquanto conversava com Patrick, encarava a Vic algumas vezes. Ainda estava em choque pelo o que tinha acontecido ontem à noite. Talvez eu tenha interpretado mal a situação, mas não consigo olhar para ela. Nunca imaginei que a Victória, uma das mais populares e namorada do meu melhor amigo, tinha uma queda por mim.

Enquanto a professora explicava sobre a história do Brasil, percebi uma pequena movimentação do diretor no corredor do colégio. Ele parecia furioso, algo raro de se ver, pois Sr. Willians era uma das pessoas mais calmas que conheço.

- Com licença – falou Sr. Willians abrindo a porta da sala de aula – estou aqui com o delegado que está cuidando do caso da aluna Karen Davis, que estuda nessa sala. Hoje de manhã, em cima da minha mesa, havia isso... Alguém conhece esse caderno?

Meu coração gelou.

- Esse caderno rosa com estrelas – falou folheando as paginas - Preciso chamar cada individuo dessa sala para conversar com o delegado. Esse caderno está dizendo muitas coisas, coisas que podem decidir o futuro da investigação. Quem é o número 1 da chamada? – perguntou observando a sala.

Ergui meu braço.

- Venha para minha sala, Abel! 

O Sumiço de KarenOnde histórias criam vida. Descubra agora