Capítulo 3: Ídolos e Âncoras

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Olhos como uma batida de carro; sei que não deveria olhar, mas não consigo parar. — BMTH 

 §

Se alguém te dissesse que poderia permanecer completamente calmo quando a iminente promessa da morte acariciasse sua nuca, que era o caso de Yuuri naquele momento, então ou essa pessoa era peixe pequeno, que não levava nada a sério; ou estúpida, que nunca tinha tomado um tiro na vida; ou uma combinação dos dois. As pessoas estúpidas acabavam mortas. Os peixes pequenos acabavam trabalhando para os tubarões. Yuuri geralmente estava no lado vencedor do confronto, porque as pessoas constantemente subestimavam ele.

Ele gostaria que aquele fosse o caso, e à medida em que a tensão prendia seus pés ao chão e a adrenalina mandava calafrios à sua espinha, ele esperava que seu primeiro e último encontro com Yuri Plisetsky há quase um ano o ajudasse de algum jeito. Ou não. Tudo dependeria do juízo daquele russo, permanentemente enfurecido.

Yuri Plisetsky salvara sua vida; não por mera bondade, mas por desgosto.

Yuuri era humano. Às vezes missões davam errado independentemente das eventualidades ocorridas ou do quão bem você tentasse tirar certas distrações de cabelo prateado da sua cabeça. A negociação por rotas comerciais à qual ele tinha sido enviado para resolver em Pequim, onze meses atrás, era o melhor exemplo de como as coisas não deveriam acontecer.

Fora emboscado enquanto estava sozinho três dias antes da falsa negociação ocorrer; tudo uma armação desde o início, tendo sido vigiado desde o momento em que pôs os pés em Pequim. Yuuri quase entrou em pânico, porque era para ele se encontrar com Victor enquanto ele estava por lá, e até onde sabia, nada ficaria em seu caminho, nada faria Victor se preocupar ou fazer algo drástico, como sumir com a Tríade Chinesa inteira, porque se Victor soubesse o que estava acontecendo, era exatamente assim que ele resolveria o problema. Não pelo motivo patético de um resgate. Victor Nikiforov não daria sua confiança a alguém que não soubesse se virar. Mas era como Yuuri dissera antes: nada atrapalharia seu tempo com Victor; tempo esse que rapidamente tornava-se mais valioso do que as vidas das outras pessoas.

E Yuuri sabia que Victor faria qualquer coisa por ele. Eles já silenciaram pessoas permanentemente, e uma organização inteira não seria muito diferente. Lá no fundo de sua alma, Yuuri sabia, porque era uma pergunta para a qual ele mesmo já tinha a resposta. Ele tingiria Pequim toda de vermelho, revelaria seu segredo para todos e condenaria os dois no processo, então tinha que ao menos chegar a tempo por Victor.

Foi uma caçada longa pelas ruas escuras e esfumaçadas de Pequim sob o véu misericordiosamente discreto da noite. A resistência física de Yuuri o salvara mais de uma vez, mas pequenas brigas de faca e trocas de tiro, uma trilha de corpos e a constante corrida haviam drenado Yuuri de todas as suas forças. Ele torcera seu tornozelo e mancava de um jeito que fedia a vulnerabilidade e fraqueza. Havia sangue de outrem manchando o colarinho branco de sua camisa, coagulando em seu cabelo, respingado em seus óculos, secando grosso e viscoso sob suas unhas; e tudo em que Yuuri conseguia pensar enquanto mancava pelas ruas e perdia-se ainda mais era que ele não estava apresentável para seu encontro com Victor.

Então ele parara em uma encruzilhada naquelas vielas para recuperar seu fôlego, para pensar e combater o pânico ácido que ameaçava seu autocontrole quando as coisas começavam a parecer perdidas. Ele estava sem munição. Tudo que tinha era seu canivete, firme em suas mãos, colado aos seus dedos às custas da matança. A parede de tijolos na qual se apoiava aquecia suas costas com a morna memória do sol. Ao final de uma das pequenas avenidas, a luz de um poste piscava aleatoriamente, a lâmpada ameaçando explodir, e as pessoas que o seguiam não se importavam em esconder o som de suas passadas pesadas conforme aproximavam-se.

Masquerade - O Baile de MáscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora