Ao entrar no escritório repleto de vidros, instrumentos e pedras rigorosamente classificadas, encontrei meu tio afundado na sua grande poltrona de veludo. Tinha um livro entre as mãos e o contemplava com a mais profunda admiração. Lidenbrock tinha outra paixão na vida além das pedras - os livros. Principalmente os livros antigos e, de preferência, os ilegíveis.
-Que livro! Que livro! - exclamava ele.
-O que é? - perguntei.
Um tesouro! Comprei esta manhã no sebo do Hevélio.
-Magnífico! - disse eu, com forçado entusiasmo
-Sim, é admirável! E que encadernação. Apesar de ter mais de setecentos anos, esta lombada não apresenta uma quebradura. Não tem uma página solta, nada.
- E qual o título?
-Esta obra - respondeu meu tio agitando-se na cadeira -é o Heims Kringla, de Snorre Turleson, o famoso autor islandês do século XII. É a história dos príncipes noruegueses que governaram a Islândia.
-É a tradução?
Meu tio olhou-me quase com raiva:
-Tradução! Acha que eu iria gastar meu dinheiro com uma tradução? Isto é o original. Está escrito na magnífica língua islandesa, essa belíssima língua, simples e rica ao mesmo tempo.
-E os tipos que está impresso, são bonitos?
-Que tipos, seu ignorante! Isto é um manuscrito rúnico! Runas eram as letras usadas antigamente na Islândia. Segundo a tradição, foram inventadas pelo deus Odin.
Nesse instante, o curso da conversa foi cortado pelo aparecimento de um sujo pedaço de pergaminho, que escorreu do livro e caiu no chão. Meu tio apressou-se em apanhá-lo, como se tratasse do mais valioso dos tesouros. Desdobrado, o pergaminho media uns 15 centímetros de comprimento por nove de largura. Transcrevo a seguir a reprodução exata do que nele estava escrito em rúnico. Faço questão de exibir esses sinais, pois foi por causa deles que nós dois acabamos por realizar a mais estranha expedição deste século:
-É rúnico - disse meu tio após alguns instantes de contemplação. -Mas... que diabo significará isto?
Soaram duas horas no relógio da lareira e imediatamente apareceu Marta na porta do escritório.
-O almoço está na mesa.
-Ao diabo do almoço! - gritou meu tio.
Marta desapareceu e eu a acompanhei até a mesa, a fim de comer a deliciosa comida que havia preparado.
-Deve estar acontecendo algo muito sério - observou a criada -O Sr. Lidenbrock nunca ficou sem almoçar.
Mal tinha acabado de falar, o vozeirão do meu tio arrancou-me das delícias da sobremesa. Fui voando para o escritório.
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Viagem ao Centro da Terra - Júlio Verne
AdventureAo decifrar o enigma de um velho pergaminho, o professor Lidenbrock e seu sobrinho, o jovem Áxel, deparam-se com um fascinante desafio: a possibilidade de chegar ao centro da terra seguindo o relato de um cientista do século XII. Vencida a resistên...