II.

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Sob o cenário da noite passada, Túlio revivia seu breve encontro com a moça misteriosa. Sentado no mesmo banco, fechou os olhos e obrigou-se a materializar a jovem, imaginando-a diante de sua presença, sorrindo-lhe docemente e falando daquele jeito suave e, ao mesmo tempo, sedutor. Em seu transe, Túlio fingiu tocá-la e apreciar sua pele. Com mais ousadia, atreveu-se a passar as mãos sobre a face da dama, acariciando cada contorno de seu rosto bonito. Por fim, aplicar-lhe-ia um beijo nos lábios rosados, saciando-se do gosto dela. Túlio via-se dividido entre o prazer e o sentimento; o carnal e o amor. Refletindo, acreditou que as emoções eram-lhe mais poderosas, responsáveis pelos seus delírios com a moça cujo nome era-lhe uma incógnita.

Retornando à realidade, abriu os olhos e foi cegado pela luz do sol. Voltou sua atenção à roseira, recordando-se daquela recebida por sua Julieta. Na verdade, Túlio era indeciso quanto à personificação da jovem. Não sabia se a chamava de Julieta, personagem shakespeariana que o levaria à morte por amor; talvez Dalila, aquela que lhe roubaria as forças cortando-lhe as madeixas; quiçá, sua Helena, a causadora do caos em Troia. Provavelmente, um pouco de cada uma. Por mais que as personagens pensadas por Túlio tivessem suas desvantagens de reputação, ele agradava-se com a ideia de uma mulher que o tornaria irracional.

Túlio, apesar de bom boêmio e simpatizante das festividades, tinha o amor em grande estima. Incerto quanto ao fato ocorrer consigo, apetecia-se por tê-lo um dia ao seu lado. Sonhava com o momento em que encontraria uma dama que o fizesse vacilar, hipnotizando-o com o simples olhar de poder inimaginável.

Em Portugal, envolveu-se com uma moça que lhe fora uma grande decepção. Acreditando começar a apaixonar-se por ela, viu-se diante de uma jovem de caráter desproporcional à sua graça. Apesar de formosa e alegre, o único objetivo da moça era divertir-se com Túlio e receber os benefícios que ele oferecia-lhe. Ciente disso, o rapaz cansou-se da portuguesinha de nome Antonieta, deixando-a a cargo de outro sujeito que pudesse lhe substituir. Não tardou para a mulher encontrar outro brasileiro abastado, o qual lhe garantiu regalias superiores a de Túlio.

Apesar de tudo, Túlio não tinha rancor de Antonieta. Sabia das intenções da moça desde o início, considerando-se o único culpado por suas desventuras quanto ao sexo oposto. Por mais que começasse a afeiçoar-se à portuguesa, o rapaz notou que, no fundo, sabia que nunca chegaria a amá-la; tudo não passava de um fogo de paixão passageira, cujo propósito era apenas dessedentar o prazer. Dissera a Frederico que não tivera suas aventuras amorosas, pois, de fato, acreditou nisso. Contudo, analisando melhor a situação, o caso com Antonieta não passava de um trivial relacionamento importuno.

Todavia, aceso pela lembrança da moça do jardim, sorriu com a possibilidade dela ser a sua favorita; aquela por quem se deixaria envolver. Ainda com a imagem dela banhada pela luz da lua, Túlio caminhou à roseira, verificando serem flores apenas de coloração vermelha. Andando pelo jardim, tentou a todo custo encontrar algum canteiro de rosa branca que pudessem levá-lo às boas recordações, porém apenas as escarlates eram discernidas. Retirando do bolso de seu paletó a flor que começava a murchar, Túlio cheirou-a e cogitou as hipóteses de onde teria vindo aquela delicada rosa e a dama por quem pensava constantemente.

Suspiroso, entrou no casarão pela porta dos fundos que levava à ala dos empregados. Avistando Lurdes, cumprimentou-a com amabilidade. Esta, retribuindo o gesto gentil, perguntou ao patrãozinho se ele precisava de seus serviços. Feliz com o oferecimento, Túlio mostrou à mulata a rosa branca e investigou se nas propriedades do grande Antônio Albuquerque encontravam-se flores daquela estirpe. 

─ Não, senhor ─ respondeu Lurdes, prontamente. ─ O patrão só tem rosas vermelhas. ─ Observou melhor a flor que Túlio deixara-a segurar. ─ É bonita, patrãozinho. Donde o senhor conseguiu?

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