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Eu não sou nada. Se a todo o momento sou um novo ser, pois a todo o momento estou diferente em relação ao momento anterior, o que é que sou permanentemente? Simples: não sou ninguém. Sendo assim, se há algo que vale a pena saber é justamente isso: não sou nada.

Essa é a verdade, e por muito tempo me orgulhei de sabê-la. É claro que não poderia demonstrar meu orgulho a quem quer que fosse, pois os que sabem da verdade não devem se orgulhar disso. Afinal de contas, a verdade é que somos todos iguais, menos eu. E por que não eu? Pois além de ser um dos poucos que sabe a verdade, eu questionei a própria verdade; desmascarei-a, e por trás de sua máscara surgiu uma convicção plausível, ao invés de uma verdade absoluta.

Eu não nasci uma boa pessoa, na verdade, era uma pessoa ruim, egoísta, interesseira, não de forma exacerbada, apenas como a maioria das pessoas o é e não admite, nunca o faria. Mas eu não, eu admiti.

Eu desde muito cedo analisava as pessoas, gostava de tentar entender o porquê de fazerem as coisas que fazem. Analisava-os como um biólogo analisa uma espécie animal; como um ser diferente daquele que está sob análise. Isso mesmo. Nunca me identifiquei com as pessoas, por isso vivia isolado e as analisava à distância. Após alguns anos de observações cheguei a uma conclusão curiosa: todos são da mesma espécie, são todos iguais. Espantoso, não é mesmo? Eu percebi que todos são iguais e diferenciam-se durante a vida pelas experiências que vivenciam. Isolam-se de acordo com as experiências, depois se isolam em grupos diversos — maiores e menores — e brigam com os outros grupos. Pura lógica animal. De racional não há absolutamente nada, estão todos errados. Por mais que tentem utilizar-se de argumentos e fatos, ao desconstruir seus discursos descobrem-se apenas falácias, sustentadas pelo ego e, muitas das vezes, pela ignorância de seu próprio receptor, o ofendido.

Dados os fatos, não havia jeito, tive de admitir: sou também animal. Sou também egoísta, mas não pense que por isso sou igual a eles. Não! Entre mim e eles há uma diferença crucial: eu sei o que sou. Eu sei a verdade! E pelo menos era assim que eu pensava e foi assim que eu experimentei a minha primeira grande revolução do pensamento, que mudou a minha forma de pensar para sempre.

Desse momento em diante, quando eu observava as pessoas não via apenas seres com desejos e vontades próprias, via máquinas.Máquinas lógicas que agiam de acordo com mecanismos pré-programados.Alimentavam seus mecanismos com as informações que coletavam à sua volta de modo sistemático; processavam essas informações e então construíam a tal da"opinião", um artifício utilizado para dividir as pessoas em grupos nos quais não são obrigados a ouvir aquilo que contraria o que lhes é certo e agradável.Quanto menos uma pessoa souber, mais ela acha que o que sabe lhe é suficiente e, no entanto, ninguém é capaz de perceber que o melhor para si é aquilo que é melhor para todos. Coisa que eu sabia e, sabendo disso, concluí que se todos também o soubessem, poderíamos todos viver em paz. Eu já não era mais tão mau,egoísta e interesseiro. Surgiu em mim uma vontade de ajudar as pessoas, de guiá-las para a convivência harmônica, uma vida de placidez, plenitude e compreensão mútua— eu agora tinha uma causa pela qual deveria lutar.

O suicídio de um homem céticoOnde histórias criam vida. Descubra agora