É um quarto escuro, se bem que chamar isso aqui de quarto é exagero, melhor dizer que é um cômodo de uns dois por dois, sem janelas, com paredes mal caiadas, chão de terra batida, um monte de tralha espalhada pelo chão e um indefectível cheiro de podridão.
Também, pelo lugar que eu estou, não poderia esperar mais do que isso. Se eu sair pela pequena porta que há numa das paredes, a única coisa que se vê em quilômetros é o meu carro estacionado, uma pequena e horrível estradinha de terra por onde eu vim e mato por todos os lados. Se existe alguma coisa que pode ser chamada de meio do nada é isso aqui. Muito longe de algum ser vivo e pensante e muito mais longe de qualquer coisa que possa ser chamada de civilização.
Quando eu me pergunto o que eu estou fazendo num lugar desse, vejo uma pessoa amarrada de joelhos no chão e me lembro. Estou aqui porque realmente não quero ser incomodado.
Voltando ao ser amarrado, é um homem de uns quarenta e poucos anos, com um terno fino que agora está sujo e amarrotado e uma aparência aterrorizada. Gotas de suor descem pela sua careca vermelha, caindo por sobre seus olhos arregalados. Tenho certeza que se não estivesse amordaçado, na certa estaria clamando por alguma coisa. Bem, deve ser divertido vê-lo implorando, por isso resolvo tirar a mordaça.
- O que você quer comigo? O que estou fazendo aqui? Eu não tenho dinheiro, por favor, me solte.
Filho da puta, vem falar que não tem dinheiro agora? E não me contenho e lhe dou um chute que pega na sua clavícula e o derruba. Com as mãos amarradas às costas e as pernas também, é impossível ele se levantar. Deixo-o caído, com a sujeira do local impregnando em sua pele suada.
- O que eu fiz? Por favor, eu imploro, me deixe ir embora.
O que eu mais odeio nesses sujeitos é a cara de pau deles! Como ele vem dizer que não sabe o que fez? Eu tenho vontade de chutá-lo novamente, no estômago, mas me contenho, retendo o movimento de minha perna e observando a sua cara contraída de desespero.
Fico olhando diretamente para ele, olhos nos olhos, enquanto o filme da minha vida recente passa em minha mente, apenas para me deixar com mais raiva. Minha vontade era de matá-lo nesse exato momento, mas daí qual graça teria? Ele morreria sem sofrer e eu não teria minha vingança.
Não, minha vingança não seria pura e simplesmente matá-lo, e sim fazê-lo sofrer, assim como ele me fez sofrer, por meses, anos. Esse filho da puta desgraçou a minha vida e da minha família e, vai sofrer por isso.
Abaixo-me e me aproximo dele, seguro-o pela orelha e o levanto, pondo-o na posição original. Ele grita, pede por socorro. Então, pela primeira vez falo com ele, num tom baixo e raivoso:
- Pode gritar, ninguém vai te ouvir.
Lembro que ele não sabe onde está. Provavelmente a última lembrança mais clara que ele tem remonta a mais de uma hora atrás, quando ele estava saindo de um restaurante onde costumava almoçar e seguiu pelo caminho que costumava fazer até seu escritório. É esse o problema de se ter uma rotina, você pode planejar com mais tranqüilidade. Isso me permitiu que o interpelasse numa quadra que eu tinha certeza que estaria deserta, como estava, me aproximasse com um pano embebido de éter – sim, é um clichê que funciona perfeitamente – e, dopado, colocasse-o no banco do passageiro do meu carro insufilmado. Andei um pouco e, quando cheguei num lugar vazio, amarrei-o com fitas, amordacei-o e joguei-o no porta-malas, de onde só saiu quando aqui chegou, pouco antes de despertar.
Ele gritou mais uma vez e dei-lhe um soco, com toda vontade, derrubando-o novamente. Minha mão doeu, mas com certeza sua cara doeu muito mais, até porque o vi cuspindo dois dentes e o sangue escorrendo num filete saindo de sua boca.