1. Caindo

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As estrelas continuam a sorrir, já que minhas mãos tentam inutilmente alcançá-las. Elas permanecem cintilantes durante todos os segundos, por mais que não possamos enxergá-las em alguns dias. Hoje, eu posso ver cada uma delas distribuídas aleatoriamente nos céus, e por gratidão retribuo com um sorriso tímido.

Ao observá-las novamente, percebo que elas encontram-se petrificadas e mais silenciosas do que jamais estiveram. Para onde quer que eu olhe, em todos os lugares, há apenas o silêncio. Eu quero escutar sons.

Os anjos que antes estavam nas redondezas acenam para mim, despedindo-se enquanto dão as mãos uns aos outros. Um deles vira-se para me olhar, sussurrando para que eu fuja das trevas enquanto há tempo.

Ele só pode estar maluco, é a única explicação. Chacoalho a cabeça, ignorando os pressentimentos ruins e continuo a voar, provando da sensação que o vento proporciona ao acariciar minhas bochechas. A gargalhada inocente que salta de meus lábios ao rodopiar pela décima vez é aguda, e me faz rir ainda mais.

Abro os braços e continuo girando no ar, bailando com os pássaros que circulam ao meu redor. Então, de repente, um arrepio atinge a minha espinha e faz com que eu finalmente repense sobre a presença de seres vivos. Não há nada por perto. Permaneço estática, ainda que olhe para os lados, sem deixar de procurar por algum conhecido que se mostre comovido e me leve para casa. Meus familiares desapareceram, e me sinto tão desprotegida neste lugar. Talvez o anjo estivesse certo: aqui não é seguro.

Misteriosamente, as nuvens tornam-se escuras e a leve brisa que antes me aconchegava despeja sua fúria sobre os ares. Eu estou despencando. Há sangue em toda a parte e milhares de olhares que desconheço estão fixos em mim, afirmando que é isso o que eu mereço. Não entendo o que dizem, e quando tento distinguir os meus pensamentos, sinto a velocidade me carregando para o chão sem piedade.

Minhas penas estão caindo, uma por uma. Em poucos segundos meu corpo atingirá o solo e a cabeça será estraçalhada, deixando o cérebro exposto para algumas aves se deliciarem. Eu imploro por ajuda, mas ninguém ouve. Imagino o rastro de sangue formando uma trilha interminável e o eco de meus gritos ensurdecedores permanecendo na mente daqueles tantos inimigos. Era o que eles esperavam. Era o que eu teria.

A dor aguda se faz ainda mais presente quando minha pele raspa no concreto. Tudo some do campo de vista, assim que eu paro em terra firme. Vozes se agitam, mas a única que eu destaco chama o meu nome. E diz, com convicção, que este fim é apenas uma centelha perto do que precisarei enfrentar no futuro.

— Não, vocês não entendem. Por favor, me ajudem! Por favor, por favor. Eu nunca quis fazer isso. Me deixem ir!

O meu corpo se agita sobre a cama enquanto eu esperneio e resmungo várias vezes. Os olhos embaçados não permitem que eu enxergue o que está ao redor, e é por isso que os esfrego repetidamente. Após algumas tentativas frustradas, tudo volta ao normal. Reconheço que estou em meu quarto ao ver o antigo arco e flecha apoiado na cadeira, determinado a dar início a um novo dia. Suspiro, aliviada, ao constatar que nada aconteceu.

Minha camiseta está tão úmida, que o tom de azul claro se tornou rapidamente escuro. Arranco bruscamente o tecido grosso da pele e jogo a peça de roupa para o lado, aliviando a sensação térmica. Os lençóis continuam enrolados nas pernas, iguais a teias de aranhas. Se esta fosse uma, de verdade, eu dramatizaria o animal indefeso prestes a ser devorado.

A EscolhidaOnde histórias criam vida. Descubra agora