Rotina

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    Mais um dia cansativo, repetitivo e tedioso se passa.

   Com as mesmas pessoas igualmente entediadas, o mesmo barulho do batuque irritante de teclas sendo espancadas, o som de várias conversas sobre assuntos que não me interessam se misturando, correria pra cá e pra lá, cheiro de café enjoativo no ar e como sempre uma gritada do chefe me dizendo para mostrar um pouco mais de interesse durante o trabalho.

    Pelo menos hoje é sábado e amanhã poderei ter um dia tedioso sozinho e sem os barulhos de sempre, só o silêncio de domingo.

    Quando se tem um emprego comum como o meu, logo você se torna uma pessoa comum e irrelevante na sociedade: ganhando um salário comum, morando em um apartamento comum, tendo uma vida comum, tudo comum.

    Eu odeio ser comum.

    Saindo do prédio reparo que está escuro e garoando, a rua não mostra nenhuma movimentação anormal, tornando este um fim de expediente tão rotineiro quanto os meus dias de trabalho.

    Rotina.

    Rotina.

    Isso era de longe o que eu queria para a minha vida. Quando jovem queria viajar o mundo, um lugar por dia, sem rumo, e principalmente, sem rotina.

    E veja onde estamos agora.

    Quem sabe hoje podemos fazer algo de novo, quebrando o ritual de sair do escritório ir para casa, escutar a velha do andar de baixo discutir com seu filho inútil que aos 40 anos ainda se encontra desempregado e sem interesse em qualquer coisa que envolva o mundo exterior, a não ser meninas com um quarto de sua idade.

    Quem sabe eu possa sair e beber.

    A garoa faz com que a rua fique cheia de pontinhos brilhantes, mas não o suficiente para formar poças nas falhas da calçada cheia de defeitos que ninguém se importa em consertar.

    Podemos começar a "noite de quebrar a rotina" indo por um caminho diferente, descobrir novos ares, lugares, talvez pessoas (ou não).

    Seguindo minha rota rebelde, me encontro em uma rua vazia, mal iluminada por conta de um poste estar queimado e grande parte dos outros estarem cobertos por galhos grosses de árvores mais velhas do que minha vizinha.

    Prédios abandonados, muros com desenhos que alguns chamam de arte, algumas sombras encostadas onde a luz não chegava e um letreiro anunciando "BA" sendo que o "R" estava queimado e logo abaixo uma seta piscando para uma porta de madeira mofada.

    Em frente há uma caçamba de lixo fechada e sinto um cheiro desagradável que prefiro não saber do que se trata.     

    Simplesmente acolhedor.

    Por mais um ato de rebeldia decido entrar no bar, que não me surpreende por ter as condições tão deploráveis quanto o externo do estabelecimento.

    Um cheiro de mofo predomina o lugar, o piso de madeira deveria ter sido trocado a séculos, as cadeiras tem uma segurança duvidosa com seus estofados vomitando espuma por conta do tecido rasgado, um balcão que provavelmente nunca foi limpo, atrás uma estante com variadas bebidas seculares e nenhuma alma viva: nenhum cliente, nenhum funcionário.

    Analisando minha situação, decido largar minha "noite de quebra de rotina" e voltar para a indesejada rotina como se nada tivesse acontecido.

    Me virei para a porta já mentalizando a futura dor de cabeça com a gritaria da vizinha de baixo quando escuto um pigarro.

   "Boa noite jovem, em que posso lhe ajudar?" uma voz rouca e sofrida pergunta.

    Viro-me novamente encontrando uma figura masculina alta com a aparência cadavérica de tão magra com olheiras profundas e um terno parecido com o que meu avô usou em seu próprio enterro, mas muito, muito mais gasto.

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