Afeminado (pt.1)

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    Não me lembro quando exatamente passei a me sentir diferente.

    No jardim gostava de observar os meninos. No fundamental riam da minha cara porque eu era o único menino que odiava educação física, só gostava de observar eles jogando. No colegial passei a ser zoado por ser o único menino com 16 anos que nunca havia beijado ninguém, mas eu simplesmente tinha aversão ao pensar em uma garota de uma forma sexual.

    Me assumi para meus pais aos 17, até hoje eles me olham diferente.

    Tudo mudou quando entrei na faculdade.      

    Recém entrado na vida adulta queria ser o mais independente possível, logo procurando um apartamento para morar.

    Andava nas ruas dos redores da faculdade sem rumo, quando vejo um anúncio em um mural qualquer "Aceita-se colega de apartamento, tratar com Vicente." E o número abaixo do anúncio. Rapidamente anotei, não era uma oportunidade a ser perdida.

    Foi quando visitei o apartamento pela primeira vez que conheci ele.

    Vicente. Corpo musculoso, cara de cafajeste. Imediatamente acendeu uma chama em meu coração.

   Passamos a dividir apartamento e minha opinião sobre ele não mudava. Ele era O cara.

   Semanas passavam e eu só observava, como sempre. Ele nunca trazia ninguém para o apartamento e eu nunca via ele acompanhado por ninguém na faculdade também, fazendo eu me questionar se ele interessava-se em salsichas também.

    Era comum ele aparecer apenas de cueca andando pela casa, parecia que queria me provocar, principalmente quando jogava aquele olhar intenso em minha direção antes de se abaixar para pegar alguma coisa na geladeira.

    Mas eu sempre fui tímido.

    Eu nunca daria o primeiro passo.

    Nosso amor continuava platônico e eu não sabia afirmar se ele era bilateral, até o dia que ele chegou bêbado de uma festa e se declarou para mim.

    "Eu te amo!" Ele disse."Sempre quis fazer isso." Então me beijou. Foi o meu primeiro beijo. Foi intenso. Foi perfeito, mesmo com o gosto de álcool.

    Pensei que no dia seguinte ele iria me expulsar do apartamento, quanto foi a minha surpresa ao ele acordar e me cumprimentar com um selinho nos lábios, fazendo meu coração derreter.

   Começamos a namorar sério, mas ele preferia não contar para ninguém sobre nosso relacionamento.

   "As pessoas podem ser preconceituosas" ele dizia, só prometia a sua fidelidade e amor e eu fazia o mesmo, e assim tudo estava de bom tamanho.

    Não foi em uma festa que meu coração se quebrou.

   Não foi com um término amigável.

   Eu estava voltando da casa de minha mãe e entrei sem avisar, achando que Vicente estaria na faculdade.

    As luzes estavam apagadas exceto pela do quarto, que estava com a porta entreaberta. Vicente estava em casa.

    Sorri e fui caminhando sorrateiramente para o cômodo  pronto para fazer uma surpresa, mas meu sorriso foi diminuindo quando sons de gemidos começaram a aumentar.

     Abri a porta com força e não acreditei em meus olhos: Vicente metendo com força em uma mulher.

    Uma mulher.

    A mulher sorriu para mim enquanto Vicente parou tudo o que estava fazendo e a cor de seu rosto sumia aos poucos.

    "Amor..." ele começou e o sorriso da mulher sumiu. Não dei tempo para ele continuar e fui para a sala.

    Ouvi murmúrios no quarto e em seguida a mulher passando com raiva e as roupas na mão em direção a saída. Ela me olha com culpa e sai.

    Uma mulher.

     Vicente aparece de cueca com uma cara determinada estampada em seu rosto.

   "Eu não vou me desculpar pelo que fiz." Ele disse. "Saiba que eu sempre gostei de mulheres, você quem sempre foi afeminado e me encarava como um pervertido e eu queria experimentar coisas novas, o que fiz ao me relacionar com você foi basicamente caridade."

    Foi como se os pedaços já quebrados de meu coração fossem pisados, queimados e jogados no lixo, junto com a minha sanidade.

    Abaixei meu rosto e coloquei as mãos nele. Decidido enquanto eu permanecia em silêncio.

    "Amor..." ele tenta de novo e encosta em meu ombro, me levanto de solavanco e ele cai na mesa de vidro pelo susto, quebrando-a menos do que meu coração.

    Ele me olha em choque enquanto eu devolvo o olhar em fúria, olhando ao seu redor e enxergando um pedaço relativamente grande de vidro.

    Sem hesitar pego o pedaço com força, sentindo minha mão lacerar, mas não me importo e cravo o vidro em seu peito, aos poucos puxando para baixo enquanto Vicente grita em pura agonia.

    Paro quando fica mais difícil continuar o corte e me levanto para observá-lo. Ele me olha com dor e aos poucos para de gritar, sua respiração parando também.

    Sento-me no sofá e observo seu corpo imóvel com os olhos cravados em mim e não sinto remorso algum.

    Eu deveria saber desde o começo.

    Uma mulher.

    Me levanto e vou até o banheiro limpar as mãos. Meu sangue se misturando com o de Vicente e com a água, criando uma cor bonita de se ver até desaparecer completamente e ser substituída apenas pelo cristalino da água, que é quando retorno a realidade e fecho o registro.

   Caminho calmamente de volta para sala, onde Vicente pateticamente olha para o mesmo ponto com cara de horror. Pego minhas chaves e carteira e me retiro do apartamento. Trancando a porta e indo em rumo à algum lugar sem elas.

    Mulheres.

    Mulheres

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