PRÓLOGO

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O nariz de Elizabeth escorria; seu corpo tremia e as lágrimas começavam a solidificar já enquanto escorria por seu rosto. Não sentia mais seus pés, após estes afundarem-se em neve profunda. Com os braços cobria os seios, tentando esconder-se em meio a tantos olhares.

Subia as escadas de madeira, mas só sabia disso pelos rangidos que ela emitia.

Elizabeth olhou para a multidão, que insistia lançar-lhe olhares de ódio. Alguns destes olhares eram de bruxos que estavam tentando disfarçar-se para não ter o mesmo fim, e ela conhecia cada rosto. Perguntava-se quem teria delatado-a, e porquê. Não se preocupava com sua sentença, apenas com o que aconteceria com sua filha, Margaret, quando ela ficasse sozinha. Iria John realmente cuidar dela, como prometeu? Ela nunca saberia, e isso era o pior.

Com um bastão de cobre gelado, era empurrada à pira, ainda apagada. William Antoine, primo de Elizabeth e pai de Margaret, era quem a levava à sentença. Tolo e covarde, fora ele o motivo de seu julgamento, quando, após descobrir que sua amante vivia um amor com John, um agricultor, acusou-a de bruxaria. Mas claro, em segredo. Nem em outra vida teria bagos o suficiente para fazer qualquer coisa como essa mostrando sua cara.

Enquanto amarrada, tinha a pele machucada por aquelas ásperas cordas de juta. A sua frente, dezenas de pessoas diziam coisas horríveis sobre ela, sendo que a maioria não era verdade. Elizabeth era uma bruxa, mas nunca fez mal a ninguém, pelo contrário. Diferentemente dos pecadores, aqueles que a acusavam. Dentre tantos fanáticos e mentirosos, viu uma alma boa; o único motivo para lutar.

-Mãe! – chorava a menininha.

-Margaret! – lutava, inutilmente, tentando se livras das amarras.

-Cala-te, bruxa! – disse o julgador – De sua boca saem apenas mentiras.

-E das suas saem julgamentos precipitados, falso juiz. Ver-te-ei no inferno.

Um soco atingiu o rosto de Elizabeth. Olhando para o chão, ela viu o sangue escorrer de sua boca.

-Senhoras e senhoras, reunimo-nos aqui hoje para a sentença de Elizabeth Adams, acusada de magia negra e pacto com o demônio. – Ele fez uma pausa, olhando com repugnância para ela. – Deus demanda justiça, e contra as trevas lutamos com fogo.

Maldito foi o dia em que os whispers revelaram aos humanos a fraqueza das bruxas, o fogo. Quando queimadas, suas almas não conseguiam continuar o ciclo; viam-se presas em si mesmas, ao menos era o que se acreditava. Incrivelmente, Elizabeth não temia o infinito; temia aquilo que pudesse tocar, mentir e manipular. Via seu maior medo a sua frente, agora.

-Dezoito bruxas já foram sacrificadas, e a pedido do todo poderoso, condeno-a ao fogo eterno, para que consiga ver a luz, mas não tocá-la. Arrependa-te eternamente, Adams.

Dessas dezoito, Elizabeth era a primeira e única bruxa. Todas as outras eram "inocentes", mas aos olhos dos julgadores, todas eram iguais.

Sem olhar para o rosto dela, Antoine levou a tocha à pira, que rapidamente começou a queimar. Logo, seus longos cabelos desapareceram, bem como as sobrancelhas. A fumaça invadiu a garganta e foi ao pulmão, fazendo com que ela não conseguisse mais respirar. Mas de longe, o pior foi quando sua pele começou a queimar. A dor era inimaginavelmente terrível, e os poucos minutos pareceram eternidade. Quando perdeu a sensibilidade da pele, não demorou muito para que os outros sentidos também se fossem.

Qual foi a sensação de morrer? Dolorosa; Qual foi a sensação de estar morto? Vazia. Era a única palavra que conseguia descrever o que Elizabeth sentia agora: a ausência de sensações. Não existia Deus – ou o que quer que fosse suposto de estar lhe esperando do outro lado. Apenas um vazio. Um amedrontador e terrível abismo, que olhava ao fundo das órbitas dela e enxergava o que havia de mais profundo.

Para sempre.


Alvanéu: A Sociedade BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora