Aquele Era Fernando

289 36 35
                                    

Fernando.

Ele era um homem. Estava solteiro após um quase-casamento. Sofreu bullying no colegial por causa de apelidos idiotas. As pessoas o chamavam de "Fernanda". Às vezes, no diminutivo. "Fernandinha". Ele odiava. Até hoje, quando tem lembranças rápidas da escola, sente raiva de seus colegas.

Fernando.

Um homem frágil. Ele estava falido. Há três meses ele fora mandado embora do serviço. Há quatro meses ele fora abandonado no altar. Há cinco meses seu pai fora morto por um ataque cardíaco. Sua vida estava descendo uma ladeira infinita...

Aquele era Fernando. O homem que estava olhando pela janela do segundo e último andar de seu prédio velho. Seu apartamento estava uma bagunça; fedia a pum e comida estragada. Algumas moscas estavam rodeando a pizza aberta de três semanas atrás que já estava enchendo de mofo na bancada suja da cozinha. No chão jaziam peças de roupas amassadas, que ele tirava e ficava com preguiça de colocar no armário. A luz fraca do apartamento estava piscando. Os únicos sons que se escutavam no ambiente eram os gemidos baixos das moças no filme pornográfico que passava na pequena televisão de tubo.

O homem nem estava prestando atenção naquilo. Quando ele havia parado de assistir TV, estava passando um programa de comédia americano. Acontece que aquele canal sempre começava sua programação de pornôs depois da meia-noite. Ele não conseguia ver graça alguma naqueles filmes. Não enquanto estava na época mais depressiva de sua vida, sobrevivendo apenas com a herança que o pai deixou ao falecer e o que havia sobrado do seu último salário.

Fernando era o irmão do meio em sua família. Mas ele sempre foi o mais cuidado pelos pais. Parecia que, de alguma forma, eles sabiam que o filho acabaria em um apartamento velho e se tornaria um imprestável.

E ali estava ele. Em frente à sua janela, olhando para a rua deserta e escura enquanto acaba com outra garrafa de cerveja e pega o último cigarro de seu maço. Olhou para o seu relógio de pulso e se lembrou que tinha o vendido para conseguir comprar a pizza de três semanas atrás. Então, pegou seu celular e viu o horário na tela. 2:24. Faltava exatamente um minuto para a mulher misteriosa aparecer caminhando lentamente pela rua. Aquela mulher era assustadora. Tinha cabelos ruivos, mas sempre estava de capuz, dificultando a visibilidade de seu rosto. Parecia sempre estar com grandes olheiras e seus passos eram apressados. Ela emergia de um ponto escuro da rua e seguia até o outro; desaparecendo novamente. Era como um fantasma e, certamente, não morava por perto. Isso ocorria em todas as madrugadas, às 2:25 da manhã, sem falta.

Quando Fernando olhou para a rua novamente, viu um carro preto emergindo e estacionando defronte ao prédio. Então, ele se lembrou que seu vizinho, Roberto, havia saído — provavelmente, pra balada — algumas horas antes com seus amigos. Acabou sentindo um pouco de raiva. Roberto não tinha noção. Ele era outro motivo para sua insônia; ouvia músicas de madrugada no último volume, cantava alto, sempre convidava seus amigos para irem no seu apartamento, dava festas com frequência e parecia não ligar para os outros moradores do prédio. Fernando falou com outros vizinhos sobre isso, mas todos disseram que não se incomodavam com Roberto. Ele já chegara a chamar a polícia por causa da barulheira, mas, assim que os policiais chegaram, Roberto deu seu truque para disfarçar a festança que estava fazendo sozinho. Praticamente, quando o apartamento do lado não estava vazio, estava barulhento. Aquilo irritava bastante Fernando.

Mal sabia ele que naquela noite tudo iria mudar.

A Assassina da Minha Rua (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora