Capítulo 2

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      — E aí, Anne. — Respondi, devolvendo-lhe um formoso sorriso.

Enquanto ela caminhava até mim, lentamente, não pude deixar de pensar — mesmo que por alguns segundos — em sua personalidade e na história que compartilhamos.
Anne-Marie Burnier era minha ex-namorada. No entanto, odeio rotulá-la dessa forma. Poxa! É uma mulher que fez-me bem durante anos e, depois, por causa de circunstâncias do destino, quando acabamos seguindo caminhos opostos irei a considerar minha "ex"? De forma alguma! Ex é uma palavra tão medonha. Quando um ente querido vem a falecer ou você resolve mudar-se de casa, o chamam de "ex-filho", "ex-amigo", "ex-conhecido"? Não! E, por que raios eu denominaria Anne como minha ex? Enquanto eu pensava, ela caminhava como que em câmera lenta, o mover sutil de seus cabelos, o piscar de olhos, o sorriso mal escondido. Ela é uma moça maravilhosa! Digo isso com toda certeza que possuo. Se não completamos 3 anos de namoro, foi culpa de ambos. Afinal, um relacionamento é uma via de mão dupla.

Nos conhecemos no verão passado, em um parque aquático de diversão em Fortaleza. O destino brinca conosco de tal forma que a encontrei na fila de uma máquina de sorvete, sendo que ela também estudava no San Georgiano, mas nunca deparei-me com seus cabelos negros cacheados e o sorriso metálico nos corredores do internato. De imediato, cedi meu lugar para ela na fila e, como uma garota considerada por todos como a "do contra", rejeitou minha atitude gentil, respondendo-me de forma cínica: "Estou bem aqui. Merci!". Essa simples frase dita com tanta ironia e sotaque francês fez-me apaixonar instantaneamente.

Sorri com sinceridade. Esqueci-me do agora.

Nascida na França, mais especificamente em Versalhes, mudou-se para Blumenau desde os 13, por isso, fala português fluentemente, às vezes, minha branquinha traz à tona seu belo sotaque francês. Anne-Marie é o tipo de mulher que faz você se apaixonar facilmente, seja pelo bom gosto musical, seja pelo ciúme em excesso. Mas, caracterizando o físico, ela era linda! Envergonhava-se por possuir estrias na bunda e coxas, por isso, nunca íamos à praia. Ah, se ela soubesse como eu adorava essas imperfeições... não se esconderia por baixo das calças jeans. Em seu pescoço havia uma cicatriz delegando uma agressão física do irmão mais velho. Por Deus! Se vocês fizessem noção de como isso a incomodava, ficariam surpresos. Eu adorava acariciar o local, pois fazia-me sentir sua história na pele. Entretanto, eu nunca tinha o privilégio de admirá-la por mais de 10 segundos.

Suspiro lentamente e engulo a saliva, a vejo se aproximando mais e mais.

Rebecca era ambiciosa, narcisista e egoísta; Anne-Marie era incrivelmente irônica; falsa e uma bela mentirosa. Sabe o lance de colocar-se no lugar do outro? Minha francesa não conhecia isso. Já perdi as contas de quantas "amigas" sofreram com as mentiras e falsidades de Anne. É claro que eu sempre estive a par de cada passo que ela resolvia dar, mas nunca cogitei a possibilidade de mudar seu jeito, pois, apesar das falhas, se ela avistasse uma pessoa necessitada ou um animal faminto, moveria céus e mares para ajudar. E, isso era encantador, junto com todo o resto. Se Anne-Marie não fosse exatamente como é, nunca teríamos nos envolvido. Sua ironia me fascinava, a falsidade causava-me longas crises de risada e as mentiras me mostravam como as emissoras de televisão estavam perdendo uma ótima atriz — que não precisava de cursos ou ensaios, apenas era necessário o roteiro da apresentação.

    — Como estás, idiot? — Perguntou, tirando-me dos pensamentos enquanto fazia uso do adjetivo em francês que mais me chamava.

Passei a mão na sobrancelha e disfarcei o sorriso, com o tempo, voltando a realidade, pouco lento ainda, puxei o ar para falar.

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