Prólogo

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-E...Bras bas. - disse circulando pela sala e observando as minhas meninas. -Primeira posição Elaine. Isso mesmo, direitinhas, poderosas, cabeça para fora da barra e nariz para cima. - esperei que todas as minhas alunas corrigissem as suas posições conforme aquilo que eu tinha dito e depois bati as minhas palmas três vezes. -Trés bien! Calcem as pontas e vamos para o centro. O aquecimento foi bom hoje. - conclui.

Enquanto as meninas calçavam as suas sapatinhas num canto da sala e conversavam entre si, eu coloquei a minha música preferida, o clássico "Lago dos Cisnes", e comecei a reproduzir os leves passos da peça que fiz há uns anos com o papel de Cisne. Foi nessa peça que realizei o meu sonho e eu nunca me irei esquecer desse dia.

-Amora... - oiço a voz de uma das minhas alunas após a música terminar de tocar. Saio do meu mundo e encaro Luana que me olhava com os olhos a brilhar. -O meu sonho é ser como tu... Eu quero poder ser uma bailarina como tu és. É por isso que trabalho todos os dias. - ela confessa.

As suas palavras foram como o cântico dos pássaros numa manhã de Primavera. Eu ficava sempre muito feliz quando as minhas alunas diziam isto de mim. Era gratificante pois um dia eu fui como elas. Eu lutava pela minha paixão sempre tentando alcançar o meu objetivo e hoje estou aqui, a dar aulas e a fazer o que mais amo nesta vida: dançar.

-É verdade, eu também me sinto assim. És a nossa inspiração. - encarei Elaine e reparei em todas as alunas que se haviam reunido à nossa volta já com as sapatilhas calçadas.

-Ah meus amores... eu fico muito feliz em ouvir isso. - sorrio para elas. -Mas agora vamos trabalhar. - bato as minhas palmas uma vez e me recomponho. -Todas ao centro, alinhadas em duas filas como sempre. Battement e Arabesque na ponta. Controla o impulso e o equilibro. Vamos lá! Depois desse exercício faremos uma sequência acrescentando Pas de bourré, Balancé, Dévellopé, Pirouette e um Elevé final. Vamos a isso!

****

Já eram quase nove horas da noite quando estacionei o meu velho carro perto do apartamento onde eu e a minha mãe morava-mos. Estava exausta e precisava de um belo banho, mas isso tinha de esperar pois ainda teria que abrir a tão esperada carta juntamente com a minha mãe. Foi por causa da ansiedade em abrir essa carta que demorei tanto tempo a chegar. Depois da aula com as meninas do 5º grau eu fechei-me no estúdio 4, o maior e mais completo dos estúdios da antiga academia, e dancei por um tempo para libertar toda a tensão que tinha nos meus ombros por causa daquela carta.

Assim que abro a porta de entrada sinto o doce aroma da tão famosa tarde de framboesa da minha mãe. Deixo as chaves na mesa de entrada e penduro a minha mala no cabide.

-Boa noite mãe. - digo assim que chego na pequena cozinha.

A minha mãe encontrava-se junto do velho fogão branco, que já não era tão branco assim, mexendo algo vermelho dentro de uma frigideira. A mulher de pele morena e cabelos grisalhos olha para mim e presenteia-me com o seu belo sorriso.

-Boa noite minha filha! Eu estava tão nervosa e ansiosa que tive de arranjar uma forma de me distrair e ocupar a cabeça então pensei: porque não cozinhar a minha famosa tarte de framboesa? - falou demasiado rápido. Ela não "estava" nervosa, ela ESTÁ nervosa. Sorrio ao pensar nisso.

-E a tarte demora? Precisamos abrir aquela carta.

-Não demora muito. Tenho só de terminar esta cobertura e pô-la no forno. Dá tempo de tomares um banho se quiseres.

-Tudo bem. É isso que eu vou fazer. Já volto.

Sai da cozinha e dirigi-me às escadas de madeira velha que se encontravam junto da porta de entrada. O meu quarto era bem pequeno, mas era extremamente acolhedor. A cama de madeira velha estava num canto, junto da única parede rosinha daquele espaço. A colcha branca com um padrão florido em rosas cobria-a e uma mesinha de cabeceira com um candeeiro do mesmo padrão estava mesmo ao lado. Fui na direção do pequeno roupeiro velho de duas portas espelhadas perto da janela e tirei o meu vestido rosinha de dormir.

A casa de banho em frente do quarto tinha o cheiro de amoras e aloe vera. A minha mãe gostava de deixar a casa com este cheiro porque, para além de ser muito agradável, faz-lhe lembrar de mim. Deixo as minhas roupas de lado e entro no chuveiro, aproveitando a água quente para relaxar não só o meu corpo como a minha mente.

Enquanto penteava os meus longos cabelos negros, já secos, em frente ao espelho do meu quarto, pensei no quanto tinha medo do que estaria dentro daquele envelope. No quanto tinha medo que o conteúdo daquele pedaço de papel pudesse mudar a minha vida e a da minha mãe. Era altura de respirar fundo e encarar o que tinha de ser encarado.

Coloquei quatro gotas do meu óleo para o cabelo na mão e espalhei por todo o seu comprimento, fazendo em seguida uma longa trança. Sai do quarto e desci as escadas em direção à sala. Lá, estava a minha mãe sentada no sofá velho, e com o tecido um pouco rasgado, com um envelope em suas mãos. Ela estava pronta, então eu também estava.

-Vamos abrir isto de uma vez Amora. Eu decidi que queria receber a notícia por carta, em casa, com a minha filha. Recusei a consulta com o médico para poder estar agora aqui contigo. - olhou para mim e bateu no lugar a seu lado para eu me sentar. -Quero que me prometas que, independentemente do resultado que esteja dentro deste envelope, vais continuar a ser a menina doce e forte que eu vi crescer. Que de forma alguma te irá abalar ou fazer desistir dos teus objetivos e futuro, estamos entendidas? - olhou nos meus olhos profundamente.

-Eu prometo mãe. Eu vou ser a Amora de sempre e não te irei deixar sozinha caso-

-Shh... Não digas nada. Vamos abrir e só depois falar nisso.

A minha mãe entregou-me o envelope e eu abri-o com cuidado, retirando o papel que ele continha. Li as primeiras linhas e não consegui ler mais. O que eu mais temia realmente tinha acontecido. O meu mundo ia cair. Eu ia cair. Isto não podia estar a acontecer. Não podia...não podia...O que eu iria fazer?

A Bailarina e o MagnataOnde histórias criam vida. Descubra agora