a year ago| a time of 365 days
that is already over🐞
Ele se sentou perto de mim, com suas mãos grudentas e provavelmente cheirosas. Enquanto mascava chiclete discretamente, sorria em direção as janelas do ônibus, que não mostravam nada mais do que o prédio escolar. Eu estava do lado das janelas, e ele, do lado do corredor; algo que era desconfortável, já que ele tinha que apertar suas pernas contra as minhas para que as pessoas tivessem espaço para passarem naquele maldito corredor apertado e sujo do ônibus escolar.
Jimin, que era seu nome, parecia animado demais para qualquer situação ou qualquer ser vivo que permanecia sentado nos bancos desconfortáveis do ônibus; Jimin, na verdade, comemorava por ter conseguido pegar um assento. Ou talvez, ele estivesse comemorando por não ter ficado na parte de trás, que cheirava à uma festa dos cachorros quentes, que — provavelmente — estavam sendo feitos por gambás mortos. Tudo, e qualquer coisa, era melhor do que os bancos sujos de ketchup.
Jimin também não era bom de bico. Ele falava, muito, até os dentes caírem da boca, e não entenderíamos mais que "oi". Não era culpa dele, mesmo, mas sim de sua personalidade ansiosa. Naquele dia, enquanto ele sentava do meu lado, eu podia senti-lo furar um buraco no meu pescoço, de tanto encarar a mim. E eu sabia bem o que ele queria; uma oportunidade. Eu viraria meu rosto e ele automaticamente me diria alguma coisa, fazendo questão de continuar com uma conversa qualquer, até que tivesse certeza que ele certamente poderia falar comigo em algum outro dia.
Mas ele não o fez. Quando eu virei meu rosto, ele me lançou um sorriso e continuou encarando-me, como se eu não estivesse fazendo o mesmo. Ele apenas parou quando seus olhos começaram a arder e eu não pude deixar de rir assim que ele rapidamente esfregou seus olhos, como se não quisesse perder qualquer expressão que eu tivesse. E era exatamente isso; fora algo que eu percebi apenas quando ele lançou-me um olhar amuado, e quando eu sorri mais uma vez, ele retribuiu.
Jimin podia parecer estar fazendo algum joguinho de contato visual mas ele não estava, ele estava genuinamente me observando como se eu fosse seu próximo trabalho de artes. E eu não duvidava que eu realmente fosse.
Eu escutava Riot Van quando Jimin cutucou minhas bochechas com uma de suas canetas levemente mordidas, enquanto buscava algo desesperadamente em sua mochila talvez grande demais para o conteúdo dentro dela. Pensando que, talvez, tenha sido "sem a maldita intenção que todos têm", eu mentalmente dei de ombros, quase batendo a cabeça no vidro por distração e por um alerta do mal motorista. Jimin, no entanto, me cutucou mais uma vez e me encarou mais uma vez, aliás, com olhos arregalados, e respirou fundo antes de me perguntar.
"Jungkook, você tem uma caneta azul?"
Eu esperava por algo assim. Era estúpido como eu tinha vontade de rir da cara dele até sua expressão desapontada aparecer mais uma vez, antes de realizar seu pedido perfeitamente. Digo, Park Jimin era como uma criança, e uma das boas. E ele continuava encarando-me, como fazia pelos próximos 30 minutos de viagem, caso eu não o desse uma resposta, ou uma caneta azul. Felizmente, eu fiz os dois.
"Hoje é seu dia de sorte." E eu o vi sorrir, de apenas ouvir minha voz.
Eu estava calmo. Bem, eu estava ligeiramente calmo. Não era todo dia que uma criança estranha e sorridente sentava ao meu lado no ônibus, muito menos pedia minha caneta, e muito menos não notaria o quanto nossas pernas estavam juntinhas naqueles minutos.
Mas é claro que Park Jimin não notaria aquilo. Jimin, enquanto eu via seu cabelo bagunçado oscilar pelo vento, desenhava expressões felizes em seus dedos, onde provavelmente já o tinha feito antes. Ele estava surpreendentemente quieto, como se segurasse suas frases um pouco abaixo de seu pomo de adão. Talvez, ele estivesse fazendo aquilo por mim?
Eu, no entanto, não tinha nada para dizê-lo, como eu nunca tinha. Jeon Jungkook, também conhecido como o garoto que gritava e protestava durante as aulas de arte, não tinha nada para falar a Jimin, o garoto que ria dos gritos enquanto mascava chicletes de uva.
Jimin, ás três da tarde, durante nosso diário caminho de meia hora até em casa, estava surpreendentemente quieto e aquilo estava me assustando. Por isso, eu não parava de encará-lo. Eu não parava de encará-lo para ver se, assim, eu veria algo de errado em seu rosto ou pior. Mas não, seu usual sorriso mantinha seus lábios normalmente vermelhos num tom rosa claro, e seus olhos normalmente animados encaravam-me igualmente, semi-cerrados como se o sol machucasse-os.
"Meu dia de sorte?" Ele perguntou exatos oitenta segundos depois, franzindo suas sobrancelhas. Felizmente, eu não sorri. Felizmente, eu não liberei os pensamentos por entre meus dentes que foram suficientes apenas dois segundos para o meu cérebro formar; algo ligeiramente sujo e sem forma alguma.
"Eu digo, a caneta." Foi o que eu respondi quando o terceiro segundo passou, dessa vez deixando um sorriso torto escapar para os meus lábios. Jimin franziu suas sobrancelhas mais uma vez, levou seu olhar para a janela uma vez, duas vezes, três vezes, até que os levasse ao corredor, e finalmente à mim.
Foi quando passamos pelo túnel, quando o ônibus se deu numa completa escuridão e quando os adolescentes animaram-se por poucos segundos de falta de luz. Jimin inclinou-se sobre mim, os olhos castanhos arregalados, os lábios vermelhos entre-abertos, os cabelos esvoaçantes pelo vento que partia das janelas abertas. Naquele momento, ele estava próximo, próximo demais. Eu não respirei por dez segundos. Nos três primeiros, eu encarei em seus olhos e Jimin soltou um riso fraco, quase como se rindo de si mesmo. Nos outros sete, ele colou seus lábios aos meus e eu quase engoli todas as palavras que ele prendia em sua garganta para não dizer. Coisas como "eu gosto de você, você está bonito hoje, você acha que eu posso beijá-lo?".
Jimin, assim que a luz atingiu nossos rostos e todo o resto do ônibus, separou nossos lábios. E riu, talvez de nossa respiração ofegante ou de suas orelhas avermelhadas. Mas ele sorriu para mim quando eu sorri para ele, como se estivéssemos escondendo grandes segredos para qualquer outro humano daquele ônibus. Logicamente, os pássaros sabiam, nossas blusas escolares sabiam, nossos corações sabiam.
Á um ano atrás, e a partir daquele ano, Jimin passou a sentar ao meu lado todos os dias e apenas os túneis sabiam de nossos beijos trocados em sua passagem.