ORGULHO

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O orgulho do homem o humilha, mas o de espírito humilde obtém honra.

Provérbios 29:23


         Tiago sentia orgulho do seu automóvel: um Honda Civic branco modelo 1995, com rodas de liga-leve, ar-condicionado, suspensão independente nas quatro rodas, freios a disco ventilados, pintura diamantada, vidros elétricos, câmbio automático, coluna de direção regulável, bancos de couro, DVD player, teto solar, airbag duplo, abertura automática do porta-malas e do tanque de combustível, motor 2.0, potência de 130 cavalos. O veículo era silencioso e deslizava pela estrada suavemente, como se estivesse flutuando. Ele adorava o carro...

         O cuidado com o Honda era absoluto: lavava e polia todos os dias. Pela manhã, antes de sair para o trabalho, e à tarde, quando chegava em casa. E esse era o único percurso que fazia. De casa para o trabalho e do trabalho para casa. Nunca saía para nenhum outro lugar com o veículo e não permitia que ninguém estranho entrasse nele. A não ser as ocasionais amantes, é claro. Mas mesmo assim, depois de deixar a moça em casa, ele dava um polimento especial nos bancos de couro. E fazia o mesmo nos fins de semana, quando obrigava o filho único a polir incansavelmente o carro. 

         Na repartição pública onde trabalhava, o maior prazer de Tiago era deixar os colegas boquiabertos quando olhavam pela janela e viam o carro.

        O Honda era o seu precioso, seu filho adorado. Às vezes mais adorado do que seu filho de carne e osso, pois que outra utilidade ele tinha a não ser lavar e polir o carro? Tiago achava que deveria haver alguma compensação pelo dinheiro que gastava com comida, roupas e escola. Sem falar na aporrinhação de criar um adolescente. E coitado do menino se não polisse o carro direito. Surras com cinto que tiravam sangue e noites sem jantar eram o preço por não ter cumprido suas obrigações com zelo. O jovem havia se tornado um profissional na arte de lavar e polir, com medo de apanhar ou outro castigo pior. 

          Certa vez, quando o garoto tinha nove anos, Tiago cravou uma escova de aço em suas costas por ele ter se esquecido de lavar o carro. O pai completou a punição obrigando-o a acordar às quatro e meia da manhã do dia seguinte, numa manhã fria, para lavar o automóvel até que brilhasse. Tiago levava mesmo a sério sua paixão pelo Honda.

          Em outra ocasião, pediu  a  esposa para que pegasse a carteira dele no carro. Quando voltou, ela lhe disse que havia tropeçado e derramado iogurte no painel. Ele bateu na cara dela sem nem mesmo pensar, e mandou que esfregasse a mancha com a própria mão molhada até que sumisse. A pobre coitada ficou com os dedos em carne viva por causa disso.

          Ele não permitia que nada nem ninguém danificasse seu precioso carro. O automóvel era seu objeto de orgulho. Sua razão de ser. Seu propósito na vida.
          Em casa, a rotina de Tiago era insípida, para se dizero mínimo:chegava pontualmente às cinco e meia da tarde, polia o carro, tomava banho e deitava-se no sofá para ler as notícias no jornal do dia seguinte. Adquirira esse hábito há muitos anos, quando atuava na bolsa de valores. Nunca jantava com a mulher e o filho, que comiam na cozinha em silêncio, para não atrapalhar a leitura de Tiago. O chefe da família só comia às oito e meia da noite,logo depois de ler o jornal. Aquela era uma casa em que havia pouco ou nenhum amor. Nenhuma harmonia.

          Tiago havia cursado Engenharia, mas jamais havia trabalhado na área. Ser um funcionário público nunca foi o que planejou para si. Mas ele vinha de uma família muito pobre, de pai pedreiro e mãe diarista. E precisou trabalhar muito cedo para ajudar a família. Só com muito esforço conseguiu ingressar em uma universidade pública. Depois disso, deu tudo de si para passar em um concurso. Mas nunca se orgulhara disso. Sempre sonhou em ver edifícios reluzentes de aço e vidro com sua assinatura. Sempre desejou passar de carro na frente de um deles e admiraro trabalho que havia realizado.
         Em sua infância miserável na periferia, costumava brincar em ruas de terra batida, cheias de lama. Jogava bola com os colegas e construía pequenos castelos com caixas velhas. Quando estava na rua, Tiago era feliz. Em casa, as coisas eram diferentes. Quase sempre, seu pai chegava bêbado. Resmungava do salário baixo e da comida ruim que a mulher fazia. Eusava isso como pretexto para bater nela. O pobre garoto não podia fazer nada a não ser observar a mãe ser surrada até quase desmaiar. Até tentou impediro pai uma vez, mas acabou ganhando um olho roxo e algumas costelas quebradas; e sua mãe apanhou ainda mais porque ele havia tentado ajudar.
          Seus pais se separaram quando ele tinha nove anos.

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⏰ Última atualização: Jul 28, 2014 ⏰

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