Capítulo 1 -Dante-

27 2 0
                                    

  Escuto o sinal. Olho para o lado e vejo Ben dando um pulo assustado, com um caminho de saliva escorrendo e pingando sobre a mesa.

-Você dormiu de novo cara.

-Problemas irmão. Problemas. -Ele responde limpando a boca e pega a mochila.

-Esse problema se chama ''seu pai'' ?

Ben me olha de lado e vira para frente enquanto sai da sala.

-Me ligaram de novo. Dessa vez do hospital. -Ele olha para baixo e vejo uma expressão decepcionante se formando. Rapidamente Ben volta a olhar para frente, escondendo qualquer tipo de sentimento. Como sempre.

-Caramba, o que fizeram com ele?

-O que fizeram com ele?! Aquele desgraçado não cansa de arruinar as nossas vidas! -Vejo sua mão fechando com raiva, com vontade de socar tudo e todos na sua frente. -Não quis saber o que ele fez, só me disseram que o dono do bar trouxe ele de pena, que os caras iam matar ele na porrada.

Coloco a mão sobre seu ombro e aperto com carinho. Mas o sinto se esquivar um pouco e abaixando para desamarrar sua bike.

-Ben, você tem que internar ele, antes que algo pior aconteça.

Ele levanta, monta na bike e me olha:

-Já tentei. Ele não quer ajuda, não vou carregar os problemas daquele filho da puta nas minhas costas.

Sinto o ar de desprezo em sua voz. Suspiro com dó e pena de tudo que Ben passou e passa até hoje.

-Poderia ser mais fácil...

-Poderia. Mas minha vida não é tão fácil quanto a sua, idiota. -Ele me dá um soco de leve no braço e sorri com aquele sorriso que não vejo à tempos. Seus dentes um pouco amarelado por causa do cigarro, mas ainda assim perfeitos. A sua covinha no canto do lábio aparece. Ben tem uma pele impecável, em um tom branco meio pardo, sardas em volta das bochechas e no nariz, combinando com o cabelo ruivo despenteado. Cada detalhe de seu rosto é único, natural.

-Ei homem da lua, acorda! -Ben estala os dedos. -Onde você estava?

-Viajando por aí... -Retribuo o soco e o sorriso, que não é tão perfeito quanto o dele.

-Quem sabe um dia você me leva para suas viagens. Por enquanto, vida real! Bom, vou nessa Dante. Passa lá em casa antes do show.

-Pode ser. Passo as 8 p.m. . Tchau... Benjamin. -O vejo pegando impulso e saindo pedalando. Ele olha para trás e me mostra o dedo, dá uma gargalhada e pedala mais rápido, descendo a rua, sem medo de nada que se coloca em sua frente.

Como um caminhão atropelou minha bike no verão passado, tenho que ir embora a pé. Minha casa fica a quatro quarteirões da escola, lado oposto da casa de Ben. Hoje tem um show de uma banda de garagem, dizem que são bons, apesar de rock não ser muito minha praia. Mas Ben ama, eu posso fazer um esforço.

Chego em casa, e como sempre minha mãe está semi-nua, típico de ex hippie. Meus pais se conheceram em uma passeata de ''Veja o mundo mais verde'' , coisa de vegetariano, ou como costumo chamar: ''coisa de quem não tem nada melhor pra fazer''. Cada louco com sua loucura. Eles vivem contando a história do encontro, ''foi amor a primeira vista'', como dizem. Meu pai era estudante de direito e minha mãe fazia artes plásticas. Era dois mundos totalmente diferentes. No começo foi difícil, até minha mãe engravidar e eles decidirem casar e morar juntos. Ele se formou e hoje tem um programa de defesa contra caça de animais extintos. Ela se formou no mês que eu nasci e desde o ano passado faz pinturas de gente pelada para uma galeria com pessoas mais doidas que ela. A 7 anos veio Eva, a filha prodígio que também não come carne. E estamos até os dias atuais vivendo sobre o mesmo teto.

Untitled LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora