Alma Solar

CÃIBRA

Depois que ele dormiu eu virei pro lado e lembrei de você. Há quanto tempo eu não me encontrava em braços de outra pessoa? Eu nem lembrava o que era encostar despida em outra pele se não a sua. Reaprender é tão complicado, né? Ensinar também. É tão mais fácil quando a gente já sabe onde e como tocar, quando não se preocupa com nada porque o outro já sabe direitinho que tocar com o polegar no ombro relaxa e de quatro incomoda o útero. 
Eu me não imaginava com você a vida inteira... mas até onde meu alcance mental chegasse, era com você que eu estava. A gente nem precisava casar na Argélia e passar a lua de mel nas Bahamas, podia começar com uma calcinha minha na sua casa pra caso de emergência, uma gaveta de roupas pra não precisar voltar pra casa quando tivesse ficando bom... quando a gente visse eu passava cinco dias na sua casa e dois na minha, e então já não tinha nada meu ou seu, tudo era nosso. Das contas ao queijo coalho na geladeira.
Eu queria mesmo acordar e dormir contigo, transar três vezes ao dia, buscar a roupa na lavanderia, almoçar com teus pais, te forçar a ouvir Caetano e você a banda do amigo do seu primo que nem você sabe que é bom. Queria continuar a te ligar chorando quando as pessoas fossem grossas comigo e eu ficasse mal, queria continuar rindo das suas entradas no cabelo e lavando ele com todo cuidado no seu banheiro pequeno, queria continuar te pedindo pra deitar direito pra eu poder me jogar no teu peito inflado... quantas vezes eu já dormi nele, quantas vezes já quis fazer que nem os portugueses no Brasil, colocar uma bandeira e batizar como meu, minha conquista.
Agora pouco importa. Somos mais um caso de duas pessoas que se amaram até doer e dar cãibra, duas pessoas que vacilaram uma com a outra, você lá e eu cá, pensando no maior amor do mundo que se perdeu, com um braço sem rosas vermelhas tatuadas agarrado a mim... ele nem sabe que eu odeio dormir de lado.