Capítulo I.

467 53 38
                                    





"Onde há um grande amor, há sempre milagres." – Willa Cather.



[Gênesis 1. O começo. Michael não se dá bem com ressacas e muito menos com referências infantis.]



↬↬↬↬



-Treze cadeiras? - A voz da menina soava incrédula.

-Uau, a grade do meu primeiro período só exige oito. Isso é loucura!

-Ora, sim, um pouco. Mas mesmo abarrotado de matérias e aulas integrais, eu estou simplesmente amando a universidade. Aqui é tudo tão...tão...mágico. - O garoto de óculos de fundo de garrafa a respondeu, com seus olhos brilhantes e lotados de esperança.

Ele estava animado e falava sobre a faculdade como um fã fala sobre seu maior ídolo. Pôde se perceber que a menina com quem ele dividia a mesa (e as rosquinhas) estava no mesmo estado.

Janeiro era um mês agitado por aqueles arredores.

-É exatamente o que eu imaginava quando ainda estava no ginásio...Toda a grade de aulas e as salas gigantescas. -Ele suspirou, como se aquilo tudo fosse um sonho, pensando em como seu futuro havia se transformado no que ele planejara a sua adolescência inteira.

-Ah, cala essa boca ô bolha. - A voz -não tão sonhadora assim- de Mike soou de forma áspera pela lanchonete, chamando a atenção do casal de amigos que conversavam animadamente sobre a faculdade como duas crianças na noite de natal.

Os dois o encaram com os olhos arregalados, virando suas cabeças como a menina do Exorcista.

Infelizmente, a mesa deles ficava próxima demais da onde quatro rapazes exaustos se lamentavam -com as cabeças latejando pela ressaca matinal- naquela lanchonete central da South Cheshire College.

-É, você mesmo ô Jimmy Neutron. -Mike chamou a atenção do jovem mais uma vez, que o encarava assustado e trêmulo.

-Não sei o que você vê de tão bom nisso aqui, vai se foder. -Ele apontou ao redor com os braços, irritadiço. Ele não via nada de especial ali. Nunca conseguiu enxergar algo positivo. Nunca conseguiu enxergar um futuro. Aquele 'sonho' pertencente ao senso comum da maioria dos alunos, para Michael era só um pesadelo de uma noite mal dormida.

-M-Me desculpem. -Ashton cobriu a boca do amigo ao seu lado antes que ele xingasse mais pessoas, principalmente a Senhora Gardenbell, a velhinha mal-humorada que cuidava do caixa (e que os encarava de forma suspeita e decepcionada. Assim como todas as pessoas ao redor. Ou melhor, assim como todas as pessoas.)

-Ele só está de ressaca.

-Quem esses trouxas pensam que são? -Mike praguejou, voltando a sugar a sua mistura de Soda com milkshake de menta e orégano (o remédio infalível contra a ressaca, segundo Calum, que na verdade não curava absolutamente nada em específico e só era causador de mais náuseas.)

-Quer ser expulso daqui outra vez?! -Ashton chamou sua atenção, sussurrando irritado.

-A universidade é ridícula. Livros, trabalhos, bolsa. Pra quê? Vamos todos ter que arranjar um emprego alguma hora, e eu sinceramente não ligo se vai ser num escritório ou na porra de uma boate. Eles devem ser aqueles nerds que ficam no dormitório tampando os ouvidos enquanto o resto do pessoal tá bebendo e fazendo farra no quarto ao lado. -Respondeu, fugindo um pouco do assunto e de um possível sermão vindo de Irwin.

-Pois é. - Ash deu de ombros.

-É exatamente esse tipo de pessoa que passa na universidade. Diferente de você, que é exatamente o tipo que está bebendo e fazendo farra no quarto ao lado e terminou...desse jeito. - Apontou com desgosto para seu estado deplorável. Ele tinha olheiras fundas e seu cabelo cor-de-rosa estava bagunçado, coberto pelo capuz do casaco.

-Acho que nós devíamos começar a frequentar uma lanchonete fora do campus. -Luke disse, com a sua voz arrastada. Seu rosto estava pousado sobre a mesa há um tempo, e se ele não tivesse falado nada naquela conversa, Ashton certamente checaria o seu pulso para saber se ainda estava vivo.

-Verdade. Ver todos esses estudantes me deixa meio depressivo e cabreiro. E puto. Muito puto. -E lá estava o Calum no nível cinco. O nível cinco era seu estado depressivo e mal-humorado na ressaca. Os rapazes tiveram bebedeiras e mais bebedeiras durantes meses -todos os dias- para poderem nomear cada reação ao álcool, e a outros diversos tipos de diversões inaláveis e digeríveis.


A grande verdade era que: Todos ali ficavam de certa forma depressivos com todos aqueles alunos o tempo todo. Principalmente nos começos de período. A faculdade era sim um lugar maravilhoso e lotado de sonhos, mas só pra quem gostava dela.

E uma outra grande verdade é que: Às vezes tudo parece um pouco ferrado. Ou muito ferrado. Mas nem todo mundo sabe como apreciar e amar as coisas ferradas, ou as pessoas ferradas.

Já fazia uns dois anos que eles tinham se mudado para Cheshire, uma cidade interiorana no Sul da Inglaterra a fim de cursarem a mesma faculdade juntos, a tão odiada e repulsada pelos quatro melhores amigos, South Cheshire College. Todos os quatro com suas economias juntadas desde a infância com seus cofrinhos de porquinho, tinham o apartamento alugado pelos pais, material -que contavam com apostilas caríssimas- e bolsas de estudos parcialmente integrais.

Mas quem disse que eles eram responsáveis e adultos o suficiente para aquilo? Quem disse que eles queriam aquilo?

Em apenas dois semestres eles foram reprovados em quase todas as matérias por falta de presença, e o dinheiro enviado pelos responsáveis era gasto em todo tipo de bebida alcoólica, festas e drogas para uso recreativo. E quando eu digo todo, é todo. Até o que eles não tinham e nunca iriam ter (e o que deviam.)

Mas como tudo que é bom dura pouco, assim como o dinheiro escasso e as suas vidas juvenis incertas, a paciência do reitor da universidade se esgotou na mesma rapidez na qual uma bala alcança o alvo bem em cheio.

De qualquer forma, eles chegaram a um consenso de que largar a universidade não foi só um alívio para eles em si, mas também para o resto de todos os outros alunos, orientadores, professores e faxineiros. E até mesmo para alguns policiais da cidade, mas falamos sobre isso uma outra hora.

Saíram da faculdade sem emprego e sem a dignidade que nunca possuíram. Não tinham de onde tirar dinheiro, mas sempre sabiam aonde gastá-lo. Calum gostava de dizer que eles eram muito caridosos, estavam sempre dispostos a doar desgosto e decepção aos seus pais.

Os pais de Luke, Calum, Michael -e até do tão queridinho da mamãe- Ashton, já não mandavam dinheiro há meses, e quase nunca atendiam as suas ligações.


-Aí, você sabe que o Jimmy Neutron não usava óculos, né?



↬↬↬↬

Um belo presságio ♦ [l.s] [shortfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora