eu sorria

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A vontade de fugir era enorme.

Algumas gotinhas de suor escorriam por minha face e sentia as palmas das mãos molhadas, enquanto olhava ao redor e percebia olhares curiosos sobre mim. A pessoa ao meu lado fazia o mesmo, junto ao padre, que coçou a garganta e fez a pergunta novamente. Algo desconhecido corria por minhas veias – adrenalina talvez.

Por algum motivo, não entendia por que estava ali. Naquele momento queria que a viagem no tempo houvesse sido inventada para evaporar, voltar ao dia em que aceitei aquilo e impedir-me de o fazê-lo.

Matias começava a me olhar de modo estranho, como uma súplica silenciosa: não faça nenhuma besteira! Contudo, àquele ponto, era tarde demais e seus olhos azuis lançados em minha direção não tinham efeito algum. Quem sabe algo dentro de meu ser tivesse despertado à vida e notado que casar não era a coisa racional a se fazer no momento. Ou jamais houvesse sido.

— Carolina, você está bem? — ele perguntou.

— Não! — exclamei em resposta.

— O que está sentindo, então? — quis saber, a preocupação sobressaindo em sua voz.

— Não. Estou bem! — retratei-me rapidamente. — Meu não foi para a pergunta do padre.

E, assim, como em cenas dignas da trama das sete, minha voz ecoou pela igreja, ao mesmo tempo que um burburinho indignado tomava seu lugar. No entanto, aquilo não me importava. Acabara de perceber que Matias não era quem eu queria ao meu lado pelo resto da vida, até que a morte nos separasse e o restante de todas as juras. Minha felicidade estava em jogo àquela hora, não viveria meus dias com uma pessoa que via de outro modo.

Porque era aquilo, não o via da mesma forma de meses atrás. Meu coração não mais acelerava quando ele chegava perto, não suava frio com seu toque e aquela sensação na boca do estômago por vê-lo sorrir era inexistente. Mat me parecia estranho, como aquelas pessoas que vemos uma vez na vida e encontramos depois de anos. Não havia amor ali. Outro sentimento talvez, não amor. Ainda assim, dei meus passos à frente. Arrumei os detalhes da festa, corri atrás do vestido, mandei convites e cá estou eu: infelicidade e arrependimento podem me definem. Segui o que achei correto e não me importei com os sinais dados pelo meu coração de que aquilo não era o certo. A sensação de estômago embrulhado acompanhou todos aqueles dias de preparativos para a festa, é ansiedade pelo seu "felizes para sempre", diziam; contudo, o enjoo apenas aumentou quando pus os pés na igreja. Logo, entendi.

Estava errada em dizer não para tudo encima da hora? Jogar todo o trabalho no lixo, apenas para não arriscar minha felicidade?

Meu peito palpitava em discordância, eu precisava sair dali.

— Certo — Mat desviou os olhos dos meus quando ouviu a negativa —, o que está havendo aqui? Não quer casar... como? Por quê? — indagou, e jurei que parecia prestes a romper em lágrimas.

— Apenas não quero. — deixei que as palavras saíssem, simplesmente, mesmo que elas não explicassem quase nada.

Os convidados nos fitavam, silenciosos e aflitos com a discussão que tomava início.

— Não quer, essa parte eu entendi... mas como? — sua voz falhou, o pranto rolava afoito.

— Percebi que não é o certo para mim, Mat. Não é certo com você também. Entende o que quero dizer?

— Não, não entendo! — ele interrompeu.

— Certo, então... — não havia uma forma daquilo acabar bem. — A verdade é que não te amo mais. — soltei de uma vez. As palavras pareceram sair baixas demais para mim, no entanto, o coro silvado que seguiu-se pela Igreja após a declaração provou-me o contrário.

Os convidados cochichavam, indignados; todavia, era algo simples: eu não o amava mais. Ponto. Sem um "mas", tampouco vírgulas ou reticências. Não diria sim quando, claramente, meu coração gritava um sonoro não.

Matias nem ousava me olhar. Seus olhos azuis esvairam-se de cor e não havia um mísero sinal do brilho que sempre me encantou neles. Ele tornou-se triste em seu terno bem passado e sapatos finos, então, senti-me estilhaçada por um momento, afinal, era minha a culpa por fragmentá-lo.

Não tive coragem de dizer-lhe palavras condescendentes, uma parte minha quebrara junto a ele. Apenas lancei ao meu antigo prometido uma última olhadela – um pedido de desculpas silencioso que não foi visto – e rumei à saída, calma e silenciosa. Depois de tudo, não fazia sentido continuar ali.

Alcancei a escadaria, desbravei-a degrau por degrau e, quando meus pés tocaram a via asfaltada, olhei para trás uma última vez. Naquele segundo, mesmo que estivesse deixando ali o coração partido da pessoa que jurei amar há alguns dias...

eu sorria.

Desatinos, Contos e DevaneiosOnde histórias criam vida. Descubra agora