nosso reencontro

39 8 2
                                    

Era incrível como aquele lugar, mesmo depois de tanto tempo, ainda causava-me calafrios.

A cor desbotada das paredes continuava a mesma, apenas o tempo se encarregara de deixar o tom um tanto mais envelhecido. Os móveis de outro século continuavam em seu mesmo lugar ao longo da sala e pareciam muito mais velhos e acabados. Tudo ali parecia mais antigo e estranho.

A única coisa que mudara fora o relógio no topo da parede; estava parado. Tal qual minha vida em outros instantes, e naquele em que contemplava quem descia as escadas sem pressa, como se fizesse questão de dar a tudo ares de filme barato e clichê, com direito a efeito de câmera lenta.

Um sorriso formou-se em seus lábios e suas bochechas tomaram uma cor avermelhada, ao passo que uma lágrima escorreu por seu rosto. Não sabia se estava feliz por me ver ou lembrava-se de nosso último encontro. Talvez os dois. Ela sempre fora adepta a sentir tudo de uma vez, um turbilhão de sentimentos confusos percorrendo seu corpo. Às vezes era até difícil alcançá-la.

Acompanhei seus pés cruzarem a sala e pararem rente a mim. Senti como se o ar me faltasse quando seus braços rodearam meu corpo e me apertaram. Parecia que jamais tivéssemos nos separado. Ela ali e eu tão longe, dias e dias, uma existência de separação.

Era como se anos não houvessem passado e aquele fosse apenas o dia seguinte ao último em que nos vimos, nossa despedida que nem aconteceu de verdade. Era ela mesma, o mesmo cheiro, o toque igual, o abraço encaixado e cheio de tudo. Eu ainda conseguia a sentir. Independente do tempo longe, mesmo após tudo.

A voz sumira, o ar aos poucos voltava, ainda que fosse impossível respirar. Seus braços não desfaziam o laço ao redor de mim e, no silêncio, consegui entender o que ela queria dizer.

Soube da falta que fiz, a dificuldade da vida sem mim, sobre a dor que a tomara para si em meu lugar e que finalmente estaríamos juntos – e ela estava feliz e triste igualmente. Feliz por ter a mim novamente, triste por ter de deixar tudo para trás e fugir comigo.

Consegui sentir algo molhar meu peito. Afastei-a um pouco e vi outra lágrima escorrer por sua bochecha e sumir de encontro ao chão.

Analisei-a de cima a baixo. Era a mesma pessoa por trás duma aparência infeliz e cansada. A mesma de sempre, mesmo que estivesse mais magra, o cabelo escuro e curto, olhos fundos e bolsas arroxeadas pousadas abaixo deles. Era a mesma, apenas destruída. Por minha culpa, por culpa de quem resolveu tirar-me dela tão cedo.

Éramos tão jovens. O mundo poderia ser nosso! Teríamos filhos, dois cachorros e uma casa grande, com quintal e piscina. Tínhamos planos. E tudo foi destruído de uma vez.

Ela não tinha culpa. Assim como eu também não. Somos vítimas do destino enquanto ele cumpria seu papel.

Entretanto, ainda era doloroso pensar que nossos planos foram amassados como papel e jogados no lixo; que nos afastaram e enviaram a cantos distantes, restando apenas a torturante solidão.

Todavia, o importante é que estávamos juntos, enfim. Juntos novamente. E agora para sempre.

Olhou-me secando uma lágrima e sorriu. Puxou-me para perto e tocou meus lábios com os seus, e consegui sentir algo me esquentar. Aquela sensação... eu a reconhecia.

Como podia ser possível alguém fazer-me sentir tanto com um único beijo?

Não era real, quem sabe fosse... o que importa é que eu sentia.

Ela se afastou, olhando ao redor. Imaginei que sentiria falta dali. Eu também senti, quis dizer, mas as palavras faltavam.

Fitou-me silenciosamente e tomou minha mão na sua, apertando-a forte.

— Estamos juntos, querido. Esperei por isso o restante da minha vida. — sorriu e beijou-me novamente.

Uma corrente elétrica percorreu minha alma e eu realmente parecia vivo ao seu lado, junto a si e seu toque.

— Senti sua falta, meu amor. — fitei o vermelho em seu vestido e odiei o fato de que aquilo precisou ser feito para que estivéssemos juntos ali.

Existem várias formas de morrer, a maioria é dolorosa. Contudo, nada é pior que a dor de morte em vida, e com tal pesar minha amada estava acostumada há tempos, desde que nos afastaram.

Ver seu sofrimento de longe era excruciante, mas estávamos juntos, finalmente, e nada nos separaria outra vez; nem mesmo a morte.

Desatinos, Contos e DevaneiosOnde histórias criam vida. Descubra agora