Capítulo 2 - Lyon: terra de brasileiros?

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   Mariana havia chego na França em meados de 2010, ela, graduada em História, foi em busca de uma especialização em restauração e patrimônio histórico. Segundo o que ela me disse, havia sido muito difícil sua ida para França, pois originária de uma família pobre do Amazonas, levou dois anos para conseguir o dinheiro das passagens e o valor do curso de seis meses que ela faria.

   Mariana era de uma pele parda, estatura mediana, cabelos escuros e cacheados, apesar de seus 35 anos, aparentava ser mais velha, pelas marcas no rosto e as mãos envelhecidas pelo trabalho pesado ao passar dos anos

   Ao chegar em Lyon, Mariana conseguiu um trabalho sem registro em carteira no setor de limpeza, faxineiras, em uma empresa de portugueses. Este trabalho a ajudou a se manter na França durante os 6 meses de curso.

   Com o passar do tempo o ambiente da cidade de Lyon a encantou, uma cidade com arquitetura antiga bem conservada, Lyon velho é o desenho da França antiga, uma arquitetura renascentista, de muitas belezas com seus becos e seus bistrô (pequenos  restaurantes-lanchonetes). 

   Caminhar por Lyon é sentir a história pulsar, as igrejas construídas em sua maioria a partir do ano 1100, século XII,  tem sua estrutura definida em arquitetura gótica, resplandecem em aula de história e beleza, sendo o Vieux-Lyon (Lyon velho) popular por seus becos e passagens secretas. Uma arquitetura de destaque e de passagem imprescindível na cidade é a basílica de Notre Dame de Fourvière, com estilo neo-gótico, foi projetada no século XIX, mas além da beleza da arquitetura, a basílica foi construída no alto de uma colina com a frente virada para o rio Saône, ela fica no ponto mais alto da cidade e é sem dúvida uma das mais belas imagens apresentadas aos que visitam a cidade.

   Mariana encantou-se pela cidade, mas o que mais lhe chamou atenção fora o custo de vida em relação a qualidade de vida, que segundo ela valia qualquer esforço, mesmo limpar banheiros com sub-salário pago pela empresa portuguesa.

   Fato comum na França, é o brasileiro ilegal trabalhar para portugueses, acredito que desde minha chegada, ainda é algo que me impressiona muito, mas os portugueses exploram o trabalho dos brasileiros, que em sua maioria, como eu, chegam na França falando mal, ou não falando o idioma, e pela lei da sobrevivência tendem a se aglomerar com pessoas que falam a mesma língua. 

   No meu caso, eram os brasileiros meu maior contato nos meses iniciais de chegada, e a história de Mariana me chamou a atenção, pois ela havia saído do Brasil atrás de um sonho, realizar uma especialização na cidade marcada pelas revoluções que fizeram parte de sua formação nos seus estudos, para ela era ver seus livros de história se materializarem enquanto caminhava pela cidade e construía uma nova vida, totalmente diferente da que ela idealizara no Brasil.  

   Em nossa primeira conversa, soube da formação e da sua chegada, mantivemos contado, e ela foi me apresentando a Lyon dos "brasileiros lyonais" (brasileiros que moravam em Lyon). Na roda de samba no alto da Croix-de-Rousse, digo alto porque descer uma estação de metro antes é subir uma ladeira infinita, Mariana divertia-se nos finais semanas.

   A roda de samba era a verdadeira roda de samba brasileira, poucos franceses no local, muitos brasileiros, e de maneira curiosa quando haviam controles da policia francesa o pagode meio que esvaziava. O controle era fiscalização de imigrantes legais e ilegais, e todas essas vezes Mariana era uma das pessoas que desaparecia.

   Com dois meses de Lyon nunca havia sido convidada para ir na casa de ninguém, tudo era sempre marcado em praças, bares, restaurantes, parecia que as pessoas não moravam em lugar algum, até que um dia Mariana me convidou para um "churrasco" na casa que ela morava.

   Casa que ela morava, não era um termo que pudesse ser compreendido como lar, era mais como um lugar temporário, frio, sem conexão, ao menos foi o que me pareceu. Mariana me advertiu que a casa era uma república, onde moravam muitos estudantes, a maioria estrangeiros, e que ela morava la ha mais de 3 anos. Para este churrasco deveríamos levar o que beber e um quilo de carne.

   O churrasco era uma festa noturna, começou as 18hs de sábado, ao chegar na casa fiquei impressionada, porque a mesma era num bairro afastado da cidade, ima região residencial com muitas casas no mesmo estilo, ficava próximo a Gare de Venissieux (linha D do metro), era uma casa grande, de dois andares, com um quintal enorme, árvores, uma churrasqueira improvisada. 

   O churrasco parecia normal, as pessoas bebiam, conversavam, mas aos poucos sumiam e o número ia diminuindo, até que me convidaram para o , abaixo da casa, estava escuro, parecia uma discoteca, pessoas de diferentes nacionalidades ali, árabes, romenos, brasileiros e portugueses, o churrasco misturou-se com uma festa de outro morador da república, músicas diversas, mas um odor complicado, não durei muito naquele setor da festa.

   Quando saí para tomar um ar, estava Mariana, sentada na beira da escada, com os olhos inchados e uma garrafa de Absolut (vodka) pela metade na mão. Ao me avistar veio ao meu encontro, me abraçou e começou a falar: "Eu queria ser feliz, mas estou aqui, num meio termo entre buscar a felicidade ou viver com dignidade..."

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