O Homem Que Calculava - Edição Integral

33.4K 415 111
                                    

Malba Tahan

O Homem Que Calculava 

Edição Integral

Digitalização e Revisão

Arlindo_San

À memória dos sete grandes geômetras cristãos ou agnósticos: Descartes, Pascal, Newton, Leibnitz, Euler, Lagrange, Comte, (Allah se compadeça desses infiéis), e à memória do inesquecível matemático, astrônomo e filósofo muçulmano, Buchafar Mohamed Abenmusa Al Kharismi, (Allah o tenha em sua glória!), e também a todos os que estudam, ensinam ou admiram a prodigiosa ciência das grandezas, das formas, dos números, das medidas, das funções, dos movimentos e das forças, eu, el-hadj xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé), dedico esta desvaliosa página de lenda e fantasia. De Bagdá, 19 da Lua de Ramadã de 1321.

Ao leitor

Quando, no decurso desta obra, as notas esclarecedoras (em pé de página) forem de Malba Tahan, declará-lo-emos entre parêntesis. As notas que se apresentam sem assinatura, ou acompanhadas das iniciais B.A.B., são da autoria do tradutor. Para algumas palavras de origem árabe ou persa, conservamos as formas gráficas mais simples e mais ao gosto de nossos leitores, contrariando, em certos pontos, as recomendações ortodoxas de doutos filólogos, puristas e gramáticos. E assim escrevemos: "Allah", "cheique", "Islã", "Kheibir", "Raschid"1, etc... Dentro da mesma orientação adotamos as seguintes formas: "habith", "Iallah", "Ibn", "Mac Allah", "Maktub" e "Ramadã"2. Para atender ao pedido de muitos leitores e tendo em vista a dupla finalidade deste livro - educativo e cultural -, resolvemos incluir, na parte final, um apêndice. No apêndice encontrarão os interessados, esclarecimentos sucintos, dados históricos, indicações bibliográficas, etc, sobre os principais problemas e curiosidades que figuram no enredo desta originalíssima novela. Oferecemos, no glossário, aos leitores e pesquisadores, as significações de certas palavras (árabes ou persas), frases, alegorias, fórmulas religiosas, etc, citadas nos diversos capítulos, e que não foram devidamente esclarecidas nas pequenas notas ao pé das páginas. Para as palavras já esclarecidas, o glossário indica apenas o capítulo e o número da nota desse capítulo, em que o sentido da palavra é devidamente elucidado. O glossário é seguido de um pequeno índice de autores citados e de uma bibliografia. Todas as notas que formam o apêndice são da autoria do tradutor. Os verbetes que figuram no glossário e no índice de autores foram cuidadosamente revistos pelo ilustre filólogo professor Ragy Basile. A singular dedicatória deste livro encerra uma página de alto sentido moral e religioso. Convém ler, sobre essa dedicatória, a nota inicial do apêndice.

BRENO ALENCAR BIANCO São Paulo, 1965

1 Eis as formas que os puristas recomendam: "Ala", "xeque", "Islão", "Quebir", "Raxid", etc. 2 O orientalista português Eduardo Dias adota, em seus livros, as formas: "beduim", "xerife", "djino", "efrite", "badice" e "Ialá". O filólogo brasileiro professor Cândido Jucá (filho) escreve: "Xeherazade", "Alraxid", "Bagdad", "Alá", etc.

CAPÍTULO I

No qual encontro, durante uma excursão, singular viajante. Que fazia o viajante e quais as palavras que ele pronunciava.

Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso!1 Voltava eu, certa vez, ao passo lento do meu camelo, pela estrada de Bagdá, de uma excursão à famosa cidade de Samarra, nas margens do Tigre, quando avistei, sentado numa pedra, um viajante, modestamente vestido, que parecia repousar das fadigas de alguma viajem. Dispunha-me a dirigir ao desconhecido o sala2 trivial dos caminhantes quando, com grande surpresa, o vi levantar-se e pronunciar vagarosamente: - Um milhão, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e quarenta e cinco! Sentou-se em seguida e quedou em silêncio, a cabeça apoiada nas mãos, como se estivesse absorto em profunda meditação. Parei a pequena distância e pus-me a observá-lo, como faria diante de um monumento histórico dos tempos lendários. Momentos depois o homem levantou-se novamente e, com voz clara e pausada, enunciou outro número igualmente fabuloso: - Dois milhões, trezentos e vinte e um mil, oitocentos e sessenta e seis! E assim, várias vezes, o esquisito viajante pôs-se de pé, disse em voz alta um número de vários milhões, sentando-se em seguida, na pedra tosca do caminho. Sem poder refrear a curiosidade que me espicaçava, aproximei-me do desconhecido e, depois de saudá-lo em nome de Allah (com Ele a oração e a glória)3, perguntei-lhe a significação daqueles números que só poderiam figurar em gigantescas proporções. - Forasteiro ­ respondeu o Homem que Calculava -, não censuro a curiosidade que te levou a perturbar a marcha de meus cálculos e a serenidade de meus pensamentos. E já que soubesse ser delicado no falar e no pedir, vou atender ao teu desejo. Para tanto preciso, porém, contar-te a história de minha vida! E narrou o seguinte:

O Homem Que Calculava - Edição IntegralOnde histórias criam vida. Descubra agora