1 | Bem-vinda à Cidade dos Anjos

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Lost in the city of angels
Down in the comfort of strangers, I
Found myself in the fire burnt hills
In the land of a billion lights
- City of Angels, Thirty Seconds To Mars

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Meu nome é Helena Bennet e cheguei em Los Angeles uma semana após meu aniversário de vinte e sete anos e exatamente dois anos após o episódio que mudou minha vida: um pé quebrado, que me obrigou a trocar a rotina de gerente em uma Starbucks de Seattle, por um longo período de repouso em casa.

Um sofá confortável e muito tempo livre: essa foi a fórmula secreta que fez com que meu primeiro livro nascesse.

Publicado de forma despretensiosa em uma rede social para escritores e leitores, em pouco tempo a história conquistou um número considerável de visualizações e achei que seria interessante transformá-la em um eBook. Em um período mais curto ainda, o eBook se transformou em um livro físico, publicado por uma grande editora. E, quando achava que não poderia ter mais surpresas além dos dígitos em minha conta bancária se enchendo a cada semana que minha publicação passava na lista dos mais vendidos, recebi a ligação que  viraria meu mundo do avesso:

— A Netflix quer comprar os direitos autorais.

Do outro lado da linha, pude ouvir a voz de Cristina Andrews, minha empresária. Sim, agora eu tinha uma empresária, e ela parecia séria demais para estar brincando.

— Mas nós não enviamos nenhuma proposta — respondi, desconfiada, certa de que aquilo era um mal entendido.

— Foram eles que entraram em contato, Lena — Cris respondeu. — Nós precisamos voar para a Califórnia na semana que vem... Se a resposta for "sim", claro.

Antes que Cris pudesse perguntar, minhas malas já estavam prontas.

Com o contrato de concessão de direitos assinado em Los Gatos, ainda precisei esperar por mais dois meses até que pudesse deixar meu pequeno apartamento em Seattle. Para uma escritora com um título nas listas dos livros mais vendidos do país e com uma conta bancária bem gorda, eu até que vivia uma vida simples na cidade grande. E, quando a data de partida para Los Angeles chegou, foi fácil esvaziar aquele espaço de 32m².

Na verdade, tudo era muito fácil até aquele momento: o sucesso do livro, o dinheiro, o convite da Netflix, a despedida do apartamento que me abrigara desde que havia saído da casa de meus pais, e tantas outras coisas. Mas só até aquele momento.

Desembarquei no LAX com duas malas pesadas que guardavam uma vida e, em minutos, já estava em um carro com Cris e Erick Gray a caminho do Four Seasons, meu primeiro grande gasto dos últimos tempos. Erick não conseguia esconder a empolgação em ter uma nova cliente com um grande projeto em mãos, enquanto eu tentava agir como se nada daquilo fosse novo para mim.

— Quem era seu assessor em Seattle, querida? — Erick perguntou, enquanto dirigia seu Beetle conversível.

— Uma moça da editora — respondi, enquanto tentava brigar com o vento para que meu cabelo ficasse no lugar. Andar em um conversível não era tão legal quanto parecia.

— Eu mal posso esperar por nossa primeira coletiva! — Ele exclamou, empolgado.

Erick era careca e alto, sua pele era naturalmente bronzeada e seu estilo era discreto, mas nada básico. Naquele dia, ele vestia uma camisa florida de manga curta, uma calça preta de sarja e um Vans clássico na cor preta. Minha figura contrastava com a de meu novo assessor não só na cor da pele – que não via o sol há tempos –, mas também no estilo. Eu vestia uma saia de couro e uma camiseta oversized em homenagem ao primeiro álbum do New Order, Movement. Em meus pés, um coturno preto afivelado. Meus cabelos finos e castanhos, com um corte acima do ombro, pareciam não ver um pente há tempos.

E essas foram minhas primeiras lições ao pisar em Los Angeles: vista-se como quiser, mas sempre leve um elástico de cabelo ao andar em um conversível.

Ao estacionarmos à porta do Four Seasons, um moço sorridente se aproximou para cuidar das malas e nos acompanhou até o quarto. Cris ficaria logo ao lado, mas ainda não era hora de descansar. Sentados na antessala de meu quarto, Erick e Cris dedicaram longos minutos para me explicar como o trabalho dos dois funcionaria em conjunto. E Erick foi extremamente categórico ao dizer que eu não sobreviveria a Hollywood se não seguisse à risca seus conselhos.

— Querida, eu sei que você não é uma pobre garota do interior — Erick disse, sério. — Mas você acabou de conseguir algo que muitos passam anos tentando e, muitas vezes, não conseguem nem chegar perto. Você está hospedada em um dos hotéis mais caros da região, a vista daqui é linda; mas te aviso que a vida lá fora não é nada parecida com os filmes que você vê no cinema.

— Eu vim aqui para fazer dinheiro e beber uns drinks entre um compromisso e outro. Eu não busquei essa vida, foram eles que me quiseram aqui.

— Eu gosto dessa postura de rockstar, mas ela, o dinheiro e os drinks só vão durar se você nos deixar trabalhar. Pode parecer arrogância minha, mas você vai me entender depois da primeira coletiva.

— Que é amanhã — Cris disse, sorridente.

Cristina Andrews era meu braço direito desde que assinei o contrato com a editora. Seu papel era, também, me animar e me tranquilizar em momentos como aquele. Apesar de minha expressão tranquila, as palavras de Erick pareceram assustadoras. Naquele momento, não poderia pensar em nada diferente de concordar com tudo e andar na linha.

— A coletiva vai ser pequena e tranquila. Vamos deixar para fazer um barulho maior quando a série estiver próxima do lançamento, mas não poderíamos deixar de avisar a todos sobre a novidade. — Erick continuou, ele parecia dar pulinhos na cadeira de tanta empolgação. — Vai ser aqui mesmo, no térreo, às 11h. O maquiador e o cabeleireiro chegam às 9h, eu chego às 8h30. Esteja de pé às 8h.

— Eu posso pedir para servirem o café da manhã aqui, se você quiser.

— Cris, eu posso tomar uma café da manhã normal. Não é como se um monte de gente estivesse esperando para me ver tomar uma xícara de café com bagels e cream cheese.

Ainda não — Erick provocou.

— Eu não vim aqui para ser uma celebridade.

— Eu sei, querida. Você veio para ganhar dinheiro e beber.

— Eu sou só eu sou uma escritora e vou produzir uma série. Fim.

— Uma escritora best seller que foi convidada para produzir uma série após fechar um contrato de muitos dígitos. Você está em Hollywood, meu amor.

— Hollywood fica a vinte minutos daqui — respondi, já mal humorada com a conversa.

— Ok. — Erick sussurrou, revirando os olhos. — Agora vou discutir mais algumas coisas com minha querida e já adorada Cristina, no quarto ao lado. Descanse esse rostinho lindo e afaste esse mau humor por algumas horas. Às 21h temos um happy hour na bar e você precisa conhecer o pessoal!

Eu assenti com a cabeça e aguardei que eles atravessassem a porta, me deixando sozinha, finalmente. Era muita informação a ser processada: horários, compromissos, regras.

Decidi curtir o silêncio por alguns minutos, enquanto a banheira se enchia. O sol se punha no horizonte, através da janela do quarto. Era como se cada casa, cada edifício e cada arvorezinha estivessem me esperando, para que aquele momento acontecesse.

A pose de rockstar sumira, o mau humor causado pela empolgação exagerada de Erick também, eu estava nua em frente a um sonho que havia se tornado realidade antes mesmo de se passar em minha mente.

"Bem-vinda à Cidade dos Anjos," conseguia ouvir o vento dizer.

Acesso L.A.Onde histórias criam vida. Descubra agora