Desde mais ao menos os 12 anos que comecei a passar muito tempo à frente dos espelhos. Nunca tinha gostado do meu aspeto, mas só me começou a incomodar quando me apercebi que podia não agradar, igualmente, às outras pessoas. Principalmente à rapariga loira de brincos cor-de-rosa da turma do outro lado do corredor. Casas - de - banho, janelas, retrovisores dos carros, tudo servia para eu observar, nem que fosse de esguelha, a gravidade da situação. O meu cabelo castanho encaracolado era demasiado castanho e demasiado emaranhado, estranho, oleoso. O meu nariz achatado ocupava demasiado espaço na minha cara. E aquele sinal preto, irritante, na minha bochecha esquerda, também não contribuía para a minha auto-estima.A minha mãe dizia-me sempre para não me preocupar, que todos tínhamos um aspeto único e que são pequenas imperfeições como sinais e narizes aduncos que nos tornam especiais. Mas os espelhos não pareciam concordar com ela. Nem a rapariga loira dos brincos cor-de-rosa.
Uma tarde, eu estava em casa, de pé, à frente do espelho da parede da casa-de-banho. Estava mais revoltado que o costume, sem nenhuma razão aparente. Olhei para o meu reflexo desconsolado, e como sempre, não gostei do que vi. Os meus braços eram demasiado magros. O meu nariz pareceu maior que o normal, os olhos mais afastados. Cerrei os punhos. Como gostaria de partir aquele espelho, ou melhor, todos os espelhos do mundo, para nunca mais ter de me torturar com aquela visão, este meu reflexo horrível que me atirava à cara tudo o que eu não tinha mas gostava de ter.
E, nesse momento, o meu reflexo pestanejou.
Fiquei, paralisado, a olhar. Sem respirar, sem mexer um músculo.
O que é que eu acabara de ver?
Devagarinho, levantei um braço.
O meu reflexo imitou-me.
Levantei o outro, desta vez o esquerdo. O meu reflexo levantou-o igualmente, sendo no entanto o direito, a imagem invertida como sempre. Estava prestes a atribuir aquela ilusão ao cansaço, quando o meu reflexo sorriu.
Toquei na minha boca. Eu não estava a sorrir.
- Olá, Robert. - Disse-me ele, sempre com aquele sorriso.
- Tu... estás a falar? - Perguntei, atónito. O choque do que estava a acontecer bloqueou-me da cabeça aos pés, impedindo-me de fazer o que quer que fosse.
- Sim, estou. Tu também.
- Mas... tu és o meu reflexo. Devias fazer o que eu faço. - Balbuciei, tentando encontrar algum sentido, alguma lógica naquela situação. Parte de mim queria fugir. Mas a outra parte estava demasiado curiosa, e permaneci no mesmo sítio.
- Não estou a perceber a tua surpresa. Foste tu que me deste esta capacidade. Não estás sempre a chamar-me, a olhar para mim, a inspecionar-me? Então, não vejo o problema de termos uma conversa, de vez em quando.
- Pois... suponho que não. - Respondi, cautelosamente. Bem, de facto, o meu reflexo tem tido um papel importante na minha vida, ultimamente. Fitei-o. Éramos iguais. Gémeos autênticos. Mas o meu reflexo continuava a sorrir, e exibia uma aura de confiança que me sempre me faltara.
- Ainda bem que estás de acordo comigo, Robert! Então vamos lá falar de assuntos sérios. Como é que vai a rapariga loira?
- Que rapariga loira? - Perguntei, fingindo-me desentendido.
- Oh, sabes perfeitamente de quem eu estou a falar. Não podes mentir a ti próprio! Ela já falou contigo?
- Não. - Admiti, resignado, após uns segundos de silêncio. - Duvido que ela saiba sequer que eu existo.