Logo depois de dizê "venham comigo se quiserem viver" e "eu sempre quis dizer isso", Alisson Macunaíma pegô em nossos ombros e me levô pra sua casa, juntamente com Iara, mas esta viagem num foi feita como a maioria das pessoas fariam. Em vez disto, ele simplesmente nos segurô pelos ombros, deu um paço pra trás e quando percebi o cenário já havia mudado e já estávamos na casa dos Macunaíma.
– Só não repare na bagunça – pediu Alisson.
Despenquei na primeira poltrona que vi e tentei organizá os pensamentos. Iara e seu pai também se sentaram.
– O-ok – gaguejei. – Cê pode se teletransportá e todos nós aqui sabemos que isto é algo muito normal e coisa e tal. Mas vocês acabaram de transformar um homem em confete...
– Não era um homem – começô Iara. – Bem, não era um ser humano, se é o que você quer dizer. Ele era um foicer.
– Ele era uma foice, como assim? – perguntei. Ainda não conseguia pensá direito.
– Não uma foice, mas, um foicer – respondeu Alisson. – Este com toda a certeza servia ao Abismo Pálido. E quando uma criatura é morta pela lâmina de um beneloim, ela desintegra-se em partículas espirituais se tornando parte dos Pilares de Luz. Do pó todos viemos e para ele voltaremos. Nossas peixeiras só, digamos, aceleram o processo.
Alisson Macunaíma me falô da existência de um mundo oculto. Pra falá a verdade boa parte do que ele me contô, já havia sido contado pra mim em contos de fada por minha tia. Um mundo que existia longe dos olhares humanos, mas que ao mesmo tempo ficava bem na sua frente, mesmo que eles num conseguissem vê. Alisson explicô que neste mundo existia uma sociedade chamada O Manto, que possuía como objetivo, protegê a humanidade das criaturas que serviam ou foram criadas em um plano conhecido como Abismo Pálido. O Manto possuía um véu mágico que fazia com que os humanos num vissem estas criaturas, de forma que elas eram retratadas apenas em mitos e lendas.
– Anastácia tentou livrar você desta realidade – disse Alisson. – Tentou te dar uma vida humana comum. Mas hoje, percebemos que ela só adiou o que não poderia ser evitado. O foicer estava atrás de você, Davi. E pelo que entendi, não era só um caso comum de um foicer atacando um beneloim ou vice versa. Eu já estava seguindo o seu rastro antes dele atacar vocês. Ele já estava lhe vigiando ha algum tempo, acho que tentando ter certeza que você era o alvo certo e que não teria problemas em atacá-lo. Eu não o matei antes, pois tinha que saber quais eram suas intenções. Ele disse que mataria minha filha, mas que levaria você. Você era importante por alguma razão. Acho que isto pode ter alguma coisa a ver com o fato de Anastácia não lhe mostrar o mundo do qual você faz parte.
– Eu já vinha sentindo que tava sendo perseguido por algo – falei. – Mas tia Nast dizia que eu podia tê um tipo transtorno. Disse que tudo isto podia sê coisa da minha cabeça. Ela sempre me contô historias semelhantes a esta do seu Manto. Mas eu sempre as entendia como apenas historias pra boi dormí.
– Mas não eram! – disse Iara. – Foi isto que meu pai quis dizer quando disse "Acho que este é o momento certo para seu mundo se transformar nos contos de fadas que sua tia lhe contava". De fato, um transtorno de perseguição seria bem melhor do que esta realidade. Na verdade o que você tem é intuição de caçador. De alguma forma, tu sabe quando esta sendo caçado, ou quando o mal se aproxima.
– Muitas vezes... – começou Alisson. – Quando você sentia que havia algo observando ou seguindo você, talvez fosse eu. Beneloins possuem grande sensibilidade. Anastácia me pediu para o proteger. Sempre que eu percebia que alguma criatura mágica estava prestes a encontrá-lo, eu a encontrava primeiro, matava-a, ou fazia com que ela seguisse por outro caminho. Mas no geral, sempre foram criaturas fracas, que estavam ali ao acaso. Existem muitas delas, mas os humanos não podem ver, pois algumas são cobertas pelo Manto da Lógica e outras possuem formas humanas. E um dia eu percebi que havia outro ser o observando. Este era um foicer. Mas eu não o matei de imediato. Caso fosse apenas um foicer curioso, eu não iria mata-lo e este foi o resultado. Foiceres podem ser vistos por humanos, embora não claramente. O Manto da Lógica trata de cobrir fenômenos sobrenaturais. Os humanos que passavam por onde vocês foram atacados com certeza viram coisas bem diferentes do que um homem cuspindo fogo. Talvez uma namorada de dois metros de altura, com um lança chamas na mão e com ciúmes de ver seu namorado com outra...
– Não gostei da analogia – resmungô Iara. – Por que eu tenho que ser a "outra"?
– Pera inda, Iara, cêis sabiam de tudo isto? – perguntei. – Vocês fazem parte disto! – comecei a ficá com raiva.
Alisson olhava serio pra mim. Iara olhava pra baixo.
– Era minha missão proteger você caso algo acontecesse – desculpou-se ela. – Desde meus seis anos tinha que ser sua amiga, estar sempre perto de você quando saísse de casa.
Parando pra pensá, era isto mesmo que acontecia. Iara sempre saía comigo. Sempre estava me esperando fora de casa pra irmos pra escola. Sempre voltava comigo por todo o caminho e quando éramos crianças ela sempre vinha brincá quando tia Nast saía.
– Então num somos amigos de verdade! – falei. – Era apenas seu trabalho? Sua missão?
– Não! – respondeu ela com os olhos fixos em mim. – Eu disse que era minha missão. Faz muito tempo que não é mais. Eu sou sua amiga. Com você tive muitas coisas que beneloins não têm. A realidade dos beneloins é bem diferente da que tive com você.
– E agora esta é a sua realidade, Davi! – disse Alisson. – Não há muito que se fazer. Você precisa de uma unha espectral, como a minha, ou a de Iara. Sua tia Anastácia o preparou para tudo isso, mesmo tentando esconder este mundo de você. Ela lhe ensinou esgrima e lhe contou as historias do nosso mundo. Pode considerar agora que tudo isto é verdade, mesmo as que se contradizem. E agora você tem que aprender a se defender das criaturas que vierem atrás de você.
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O CHAMADO DO CARCARÁ
AventuraO carcará olhava pra mim. Então, o reflexo afogado abriu a boca e produziu palavras sonambúlicas com duas vozes diferentes, uma de homem e ôtra de mulhé e elas diziam, "Enquanto o medo comungar com o desconhecido, serão paridos monstros que você rep...