Quando a noite caiu o Peter e eu já tínhamos assistido a seis filmes da nossa maratona cinematográfica da Marvel. A voz de Steve Rogers, que soava calmamente através do aparelho televisivo é interrompida com o som incomodativo do telefone fixo.
— Ridículo — censurou Peter.
— O quê?
— O Loki — Peter revirou os olhos e encolheu os ombros. Através da sua resposta, apercebi-me que estava a criticar uma personagem do filme. Concordava com ele, mas limitei-me a dizer-lhe:
— Pensei que estivesses a comentar o facto de alguém me ligar para o telefone fixo. Já ninguém o faz.
— Eu sabia que não ias atender, Sam — ecoou o sonido familiar da voz de Miles, no correio de voz. Peter carregou no botão que pausava o filme e eu tentava pensar em todas as maneiras que pudessem explicar como Miles tinha arranjado este número. — Preciso que ouçam o que tenho para vos dizer. A minha prima regressou do Canadá e trouxe amigas. Liguem-me.
Miles Mathews, um dos meus melhores amigos desde o primeiro ciclo escolar. A dissemelhança de personalidades faz-me debater sobre o surgimento da nossa amizade. A minha primeira relutância talvez tenha surgido no quinto ano, quando Miles conseguiu levantar a saia de Maureen, uma empregada de vinte e poucos anos que trabalhava na escola. Mas para quem o consegue tolerar durante tanto tempo torna-se inconcebível não o rotular de melhor amigo. Era um tipo muito esperto que agia de maneira irrefletida, mas que, admiravelmente, conseguia que tudo lhe sucedesse como delineava.
A sua chamada não me impressionou. Aliás, espanta-me que não tenha sido detalhada a forma como ele tinha conseguido enrolar-se com alguma miúda. Certamente que o conteúdo da chamada que iria ser feita dentro de minutos seria a proposta de uma outra história à la Miles. No Natal do ano passado, Miles teve a brilhante ideia de fazer uma viagem de mais de seis quilómetros sob uma tempestade de neve, apenas para ir ter com Jane Dawson, a rapariga mais popular e boa da faculdade, na opinião dele. É triste ser o único que tem carro. O veículo transforma-me numa personagem fundamental de todas as suas histórias, porque todas elas carecem de um motorista.
— Não lhe vais ligar, pois não? — inquiriu Peter pegando no comando da televisão para retomar o filme. Nesse momento Miles liga-me. Nem sequer olhei de relance para o ecrã do telemóvel para ver quem me estava a telefonar, pois já sabia que era ele. — Caramba! — exclamou Peter pausando novamente o filme. — Esse gajo é mais chato que a minha mãe — acrescentou.
Encolhi os ombros e peguei no telefone.
— Está em alta-voz? — perguntou a voz do outro lado da linha.
— Porque é que queres que...
— Eu sei que o Peter está aí. Mete.
Procurei o botão respetivo e pressionei-o.
— Olá Miles — disse Peter.
— Olá. Vou direito ao assunto. A Lauren veio fazer-me uma visita nestas duas semanas de férias e convidou três amigas da época do secundário. São tão boas que até poderiam aquecer o meu coração que se tem mantido gelado desde há tanto tempo, ou aquecer outros recantos do meu corpo onde o sol não consegue chegar.
Naquele momento, uma voz feminina gritou ao telemóvel. Eu já estava inclinado sobre o aparelho, fitando-o com uma espécie de incómodo. Peter estava do meu lado focado na televisão, a desejar, provavelmente, que a imagem pausada voltasse a movimentar-se.
— Temos as bebidas prontas.
Miles voltou à linha e exclamou:
— Acho que já se aperceberam do que está em jogo! Como eu sou o melhor amigo de todos os tempos quero que se juntem a mim nesta noite que se poderá tornar na melhor de todos os tempos. A noite em que Deus Todo-Poderoso, no seu amor infinito, olhou para mim e decidiu dar uma oportunidade a esta ovelha do Seu Rebanho.
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Saturn Falls
Mystery / ThrillerSaturn Falls é um lugar de segredos, uma cidade isolada e misteriosa que alberga Sam Wilson, um jovem de dezanove anos. A cidade foi fundada há séculos por duas grandes famílias de imigrantes: os Martin e os Anderson. Com as suas colinas brumosas, f...