152 dias, 9 horas e 15 minutos
Tudo estava em chamas. O lugar que eu estava poucos segundos antes estava transformando-se em cinzas, junto a muitos colegas que talvez não conseguiram sair a tempo; ou foram pisoteados antes de sequer terem alguma chance; ou simplesmente viram a grande chance de se livrar dessa situação horrível.
Nunca saberemos como cada um deles se foi, porque se foram, se quiseram ir. Seriam esquecidos, como todos lá seriam algum dia. Não haveria glória para nenhum de nós.
Apesar disso, não tínhamos tempo de prestar luto, de nos entristecermos com a morte deles, porque estávamos ocupados tentando nos salvar. Lutando por nossas vidas. Atirando, matando. Por nós, pelo nosso país. Amado país. Orgulho.
O acampamento, junto a muita artilharia, estava aos poucos desaparecendo. Iríamos perder, era claro. Tão claro quanto o dia que esperávamos ver nascer mais uma vez.
Sem orgulho algum da atitude, os poucos soldados que ainda não haviam morrido no ataque surpresa da tropa inimiga, fugiram. Eu tentei permanecer ali, salvar alguma - qualquer! - coisa, mas eu queria sobreviver.
Então, corri. Corri para a mata que se fechava cada vez mais ao passo que eu me afastava da clareira 5D, onde a nossa pequena base estava localizada. Corri até a mata ser tão densa que nem a pequena lanterna de emergência que eu carregava era capaz de me ajudar a enxergar alguma coisa.
Corri até não conseguir mais correr.
⛵
"Alice?", perguntei, reconhecendo imediatamente o longo cabelo castanho. Senti minhas mãos começarem a tremer.
Ela virou-se para trás e seus orbes pretos encararam-me."Louis? Louis Sutton? É você mesmo?", perguntou, arregalando os olhos, descrente de que eu realmente estava ali. "Meu Deus! Você está bem? Você não parece bem."
"Sim, só estou assim porque estou com frio. Diz, como você está? E sua mãe e Matthew? Quanto tempo..."
"Frio? Estamos no verão, Lou! Vá encontrar o doutor Phil, você provavelmente está doente. Não me espantaria, você tem trabalhado tanto! Mamãe me contou que você estava do outro lado! É corajoso de atravessar todo esse oceano. Ah, e nós estamos bem, na medida do possível, você sabe. Tenho trabalhado mais agora que Matt perdeu o dedo e o dispensaram."
"Sinto muito por isso. Imagino que tenha sido difícil para o seu irmão aceitar que você agora é a provedora da casa. Você é forte, Ali," falei, sorrindo, tentando transmitir algum sentimento bom.
"Então... Você planeja voltar logo para casa?" perguntou, encarando suas próprias sandálias surradas. O cabelo castanho caiu na frente de seu rosto e eu me impedi de colocá-lo atrás de sua orelha. Clichê e óbvio demais. Alice definitivamente não merecia nada clichê.
"Talvez. Depende de como estiver por lá quando eu voltar. O rio não tinha enchido o suficiente, mas esperamos que nessa colheita esteja melhor."
"Ah," ela pausou e olhou para dentro do mercado que estávamos em frente. "Eu tenho que ir. Espero te ver de novo. E encontre o doutor antes de voltar," advertiu. Antes de ir, porém, ela rapidamente ergueu-se e beijou minha bochecha em despedida.
Na surpresa, mal consegui pensar em fazer alguma coisa antes de vê-la correr para o interior do mercado. A única coisa que me veio à cabeça foi: o meu primeiro beijo com Alice não poderia ter sido melhor.
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If I Had A Boat
Short StoryLouis Sutton está perdido em um país estranho após seu acampamento ter sido destruído. E é Alice quem ajuda Louis a voltar para casa. Conto criado para o desafio 4 do Concurso Comentando.