152 dias, 19 horas e 10 minutos
"Sutton! Acorda!" ouvi alguém gritar. Meu coração acelerou antes mesmo de abrir os olhos. Eu havia caído no sono? Onde? Como? Qual era o meu estado? Alguém me alcançou e eu estava preso, seria torturado?
Senti uma fonte de calor ao meu lado direito. Avaliei meu corpo ainda de olhos fechados e tudo parecia bem. Nenhuma parte minha parecia ter congelado apesar do frio desgraçado que eu sabia que tinha feito.
"Sutton!" senti alguém me chacoalhar enquanto gritava meu sobrenome novamente, então fui obrigado a abrir meus olhos.
"Gant?" sussurrei. "Ah, ainda bem que é você. Eu... Como eu estou aqui? Como vocês me encontraram? Tudo estava tão escuro. Tão frio."
"Você caiu bem perto daqui e ouvimos o barulho das folhas secas. Você teve sorte, na verdade. Se estivesse sozinho, teria morrido congelado. Literalmente. Não te vimos quando corremos de lá, achamos que você tinha morrido. Isso até a gente ouvir o barulho e quase te matar achando que era alguém de lá. Mas você está aqui, Lou," falou genuinamente aliviado.
"Obrigado, cara. Sabia que fazer amizade com você ia trazer algo bom," ri.
Gant, ou James Gant, havia sido meu primeiro amigo ali, quando ainda estávamos em nossa terra natal sendo recrutados. Não era a primeira vez que ele me salvara. Esse era James — o esquisito que era o herói de muitos outros soldados.
Levantei-me e cumprimentei o restante das pessoas. Ali não éramos soldados, éramos apenas pessoas tentando sobreviver, tentando voltar para casa, tentando ser alguém.
Alguém acendera uma fogueira e disseram que dois soldados haviam ido atrás de comida perto de onde estávamos. Eu tinha uma pequena barra de chocolate, mas guardei caso alguém realmente precisasse — era necessário tomar atitudes pensadas.
Estávamos discutindo qual seria nossa estratégia a partir daquele momento. Em um segundo de lucidez, perguntei se ninguém tinha um rádio. Óbvio que não, mas eu só queria explorar todas as opções, caso alguém em choque tivesse esquecido. Estávamos lá, sozinhos, e não poderíamos contar com resgate ou uma equipe de apoio.
"Tem um rio por perto que corre para o leste. Se conseguirmos alcançar, podemos chegar ao litoral. Sei que não dá para ir nadando ou algo assim, mas já é um começo," dei a sugestão. Ouvi alguns murmúrios negativos, mas a maioria concordou. Foi julgada como a opinião mais sensata em comparação às outras como a) se render ou b) esperar até a guerra acabar.
A minha ideia tornou-se nosso plano.
Por longos dias entediantes, juntamos comida e buscamos recipientes para guardar água quando chegássemos ao rio. Além disso, estávamos procurando-o, já que não sabíamos mais para qual lado estava nosso antigo acampamento e, assim, também não havia como saber para qual lado nosso objetivo estava.
Eu saía de nossa pequena base e, às vezes, encontrava alguma fruta. Nunca animais. Talvez eu não os visse ou só não quisesse matá-los. Então, andava mais um pouco, o suficiente para não me perder na floresta, e voltava. Nada do rio.
Longos dias iguais.
⛵
"Eu trouxe bolo por você ter arrumado a janela da sala," Alice estendeu os braços com o embrulho em panos de pratos com desenhos coloridos assim que abri a porta.
"Quando eu arrumei a janela da sala da sua casa?" perguntei, franzindo o cenho, realmente tentando lembrar. "Mas, de qualquer forma, aceito o bolo."
"Você é engraçado, Lou," Ali disse, depois de rir até suas bochechas ficarem tão vermelhas quanto tomate.
"Quem te contou isso, mentiu. Sou uma pessoa séria," falei, fazendo minha melhor (ainda ruim) cara de lorde inglês. Ela riu ainda mais e quase derrubou o bolo.
"Que saudade eu senti de você, Lou! Ainda bem que você voltou da Inglaterra! Resolveu não nos abandonar totalmente. Se bem que você era piloto lá, que pessoa importante," expressou-se sorrindo. "Não acredito que ainda não tinha te visto por aqui desde que você se foi."
"Pois é! Também nem vi Matthew ainda. Sua mãe me disse que ele está indo muito bem na empresa. Fico feliz por ele. Disse também que você estava pensando em ir para a Inglaterra também. Se você quiser, eu posso indicar alguns lugares para ficar, para ir..."
"Ah, não, foi só uma ideia boba que eu já esqueci," ela me interrompeu.
"Tudo bem. Você quer entrar? Minha mãe já deve chegar, ela foi ao mercado comprar algum ingrediente que faltou para o jantar," ofereci, dando um passo para trás e liberando a porta para ela passar. Quando ela passou por mim, senti o cheiro de jasmim de seu cabelo castanho.
"Eu entrei, mas não vim por ela," Alice afirmou, aproximando-se de mim assim que fechei a porta.
"O que foi, então?" perguntei, bobo pela proximidade. Meu coração acelerado.
"Bom," ela começou. "Você já está aqui faz quatro dias e eu ainda não tinha te visto. Depois de anos, Lou! Foi difícil aguentar sem ter meu melhor amigo aqui," lamentou.
"Desculpa, Ali... Eu só..."
"Não. Não quero que se desculpe. Só me desculpe por isso," falou rápido.
Antes que eu perguntasse o porquê de ela ter dito aquilo, senti seus lábios macios de encontro aos meus.
O meu primeiro beijo com Alice não poderia ter sido melhor.
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If I Had A Boat
Short StoryLouis Sutton está perdido em um país estranho após seu acampamento ter sido destruído. E é Alice quem ajuda Louis a voltar para casa. Conto criado para o desafio 4 do Concurso Comentando.