1. Um ônibus

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Tinha tudo pra dar errado.

Olá, senhor, eu sou a Lívia Ramos, lembra de mim? Sou a autora a qual você pediu pra levar o manuscrito até sua sede.

Meu nome é Lívia Ramos, reconheceu né? Sou aquela autora que você falou por e-mail.

Você lembra meu nome? Sim, Lívia Ramos!

- Ah, mas que merda. - bufei pela  quinquagésima  vez enquanto segurava o montinho de folhas emplastificado que podia ser o início da minha vida.

Talvez ele gostasse que eu falasse meu currículo.

Meu nome é Lívia Ramos, tenho 23 anos, me formei em jornalismo faz um ano e as únicas coisas que já publiquei foi uma nota de "Aluga-se casa'' nos classificados e uma crônica de como as crianças odeiam feijão exposta na minha feira literária do quarto ano.

- Porcaria - resmunguei novamente.

O ônibus parou com um solavanco e eu gemi enconstando a cabeça no vidro frio. As palavras de vó Luce vem em meus pensamentos: "Lívia não confuda as coisas, minha querida, planejar é muito diferente de teorizar o futuro. Estou dizendo: Isso que você tá falando aí? Não vai dá certo, escute a velha que vos fala" lembro que ri da frase na hora e respondi "Vó, vai dar tudo certo. Está tudo programado".

Diabos! Programado? Bem, não estava nada programado o voo atrasar por causa do mau tempo e eu ter que comprar uma passagem no ônibus interestadual de última hora pra não perder a reserva no hotel. Claro que de bônus, minhas bagagens ficaram presas na burocracia e eu tive de voltar pra casa e pegar emprestado tudo que coubesse em mim da minha irmã mais nova!

Por fim, eu teria que pegar dois ônibus, um metrô e talvez um táxi no outro dia para que eu pudesse chegar a tempo no encontro com uma das maiores editoras do país. Além de claro, eu poderia ter o momento frustrante de levar um "não". Porcaria de programação essa.

Olho para a paisagem pela janela, os campos de cana de açúcar eram típicos do meu estado e o ponto da interestadual parecia uma pequena casinha aberta no meio da estrada. O céu nublado em um tom cinzento comprovava novamente o azar que me assolava hoje: não bastava eu odiar viajar de ônibus, eu também odiava viajar na chuva.

Ah, meu Deus! E se meu azar levasse o o ônibus a capotar?

Meus pensamentos embolam na minha mente e depois de um segundo eu reviro os olhos e respiro fundo. Tá vendo, Liv? Por isso você se tornou escritora, para transformar as suas paranóias em algumas loucuras consideradas boas o suficiente pra leitura.

Levanto a cabeça quando os últimos passageiros entram. Uma velhinha de blusa vermelha e um homem alto logo atrás dela. Considerando o ônibus cheio rumo a capital paulista e sendo o lugar ao meu lado um dos últimos disponíveis, torci internamente para ser a senhora a sortuda que sentaria ao meu lado.

Eu até pensei que aconteceria quando ela sorriu para área onde eu estava sentada. Porém seus olhos se desviaram para o assento atrás do meu e ouvi uma voz masculina exclamar:

- Rosa, até que enfim! Pensei que tinha desistido da viagem.

Ela se acomodou bem a tempo do ônibus dar mais um solavanco e acelerar, aí eu escutei atenta o estalo de um beijo que provavelmente o casal atrás de mim deu.

- Ah, Carlos! Você sabe que eu sempre me atraso nessas nossas viagens, sempre tenho que deixar o Chocolate na casa de dona Célia.

Ele riu.

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