Venho do verde mais belo,Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da Cruz!
Canção do Expedicionário – Guilherme de Almeida
— Fidi, abai... — pá! O estampido seco do tiro interrompe o grito. Sinto um baque na cabeça, o suficiente para me desequilibrar; enquanto caio, os ecos se juntam à reverberação do som do primeiro disparo, como grasnados de corvos do além.
Fico parado, tentando respirar o mínimo possível, mesmo com esse maldito frio. Minha mãe sempre sonhou em conhecer a terra dos nossos antepassados, a bela Itália, e aqui estou eu, passando fome, frio, sede, matando outros, e escapando da morte todos os dias! Mas, desta vez, acho que não vai dar... Sinto a dor e ardência de um ferimento na cabeça, o sangue escorrendo, mas é melhor não me mexer. Não posso deixar que esse puto nazifascista saiba que ainda estou vivo: ele não vai errar o próximo.
Pá..uá..uá... os corvos lúgubres se fazem ouvir novamente, e um impacto no meu ombro direito. Tento não me mexer. Os colegas da companhia gritam, apontando para o alto de uma torre. Tomam posições, fuzilando-a, enquanto dois me arrastam para um lugar seguro. Ouço gritos de "médico", e de "acabem com esse nazista de mer..." Desmaio.
Acordo numa cama, num quarto. Ao meu lado, uma jovem linda, estrangeira. Lembra um pouco a Rita Hayworth. O Sargento Gama, Subcomandante do Pelotão está junto. Ele pega o meu braço esquerdo, solta uma pá de palavrões, e diz que está feliz por me ver vivo. Afinal, como ficariam sem um dos melhores intérpretes na Itália?
Eu não era o único do pelotão de falava bem italiano. E naquele momento, não me lembrava por que me chamavam de Fidi. Fidi? Espere aí: meu nome é Paulo! Paulo Moreira Cellotti. Meu pai me ensinou a falar italiano, que aprendeu com meu avô, um "verdadeiro carcamano", como se referia a si mesmo.
Sim, Fidi! É porque eu vivia dizendo que era filho de dono de posto de gasolina. Filho de dono, Fididono... Fidi. E meu pai ficou sabendo do apelido no mesmo dia em que soube que eu embarcaria para a Europa.
— Que presente do Dia dos Pais você me dá, hein? Eu falei para não ser militar — disse ele, chorando e me abraçando, como se fosse a última vez que me visse. No dia do embarque, não conseguiu ir: sentiu-se mal, chorou, pediu que eu não fosse. Falei com ele que, se me tornasse desertor, seria fuzilado; na guerra, pelo menos teria uma chance de voltar. Ali, não.
— Fidi... — diz a moça, linda. Olhos penetrantes. Decote que me leva à loucura, já há tanto tempo sem ver mulher...
— Paulo — e a conversa continuou em italiano —, meu nome é Paulo.
Ela me pergunta por que estou no país dela. Eu pergunto a ela qual a data, e onde estamos. 18 de setembro de 1944. Massarosa. A cidade acabou de ser libertada pelas tropas americanas e brasileiras. Sento-me para comemorar, mas o mundo todo gira, e eu apago.
Abro os olhos, e há uma penumbra; horas se passaram. Deve ser o anoitecer. Nada de luzes à noite, na guerra. A aviação ataca.
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Dia dos Pais / Há males que vêm para o bem
Narrativa StoricaUm pequeno "desvio" do meu estilo normal: um conto romântico!