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Quando finalmente o segui não foi em Nova York. Por mais que quisesse, não era uma opção plausível. Foi em Paraty, na primeira edição de uma festa literária. Faz dez anos já, e me lembro de sua figura morena, alta e magra, de óculos escuros, no calçamento de pedras irregulares.

Tirando uma colega pela qual fui apaixonado na época da escola, eu nunca havia seguido ninguém. Não parecia difícil. Era só se fazer de turista. Ia meio quarteirão atrás do Paul Auster, mapa na mão para esconder o rosto e para marcar, sorrateiro e tremido, o trajeto exato. Depois pretendia analisar com calma o trajeto, na vaga esperança de que contivesse uma mensagem. De que o escritor soubesse estar sendo seguido e tivesse escolhido uma rota que, traçada no mapa, contivesse uma mensagem.

Não parecia ser o caso. Mas ele sabia, eu sei que ele sabia. Próximo à pousada na qual se hospedava (me lembro das janelas, claro, as janelas eram azuis), o Paul Auster parou e me encarou. Ficou me olhando por trás de seus óculos escuros.

Continuei como se não fosse comigo, mas ele já havia tirado os óculos.

Ele e suas olheiras bem demarcadas e seus olhos algo perturbadores. Eu queria alguma coisa?

"Eu... Lamento incomodar, mas gostaria de conversar com o senhor."

Do que se tratava?

"Eu mesmo não sei direito..."

"A minha mulher está me esperando."

Sim, sem problemas, não se preocupe, e ia deixá-lo ir, mas me saiu uma pergunta: "Quando o senhor sabe que um texto está pronto?" E enfatizei (perdoe-me, mister Auster, eu ainda era um artista quando jovem cão): "Como sabe que está bom?"

Ele deve ter se compadecido, pois me convidou a entrar.

Sentamos numa mesa perto da recepção, e ele me contou um episódio, um que, depois me dei conta, se não chegava a ser uma janela, era ao menos uma fresta.

No começo da década de 1970, após se formar em Letras, o Paul Auster juntou dinheiro trabalhando numa plataforma de petróleo e foi passar um tempo em Paris. Achava que desde que mantivesse os olhos abertos, tudo que lhe acontecesse seria útil, ensinando-lhe coisas que não conhecia antes.

Foi uma época em que, apesar de sua energia e da cabeça cheia de ideias, a carreira não prosperava, e ele vivia atormentado por problemas financeiros. "Mas não é isso que quero contar". E contou de uma amiga pintora que, por sua vez, mantinha amizade com ninguém menos que o Samuel Beckett. Ela se ofereceu para apresentar os dois. Marcaram no La Closerie de Lilas, que não era um café tão turístico como se tornou depois.

"Então estávamos ali, frente a frente, eu, um aspirante a escritor, e um autor consagrado, que alguns anos antes, em 1969, tinha recebido o Nobel. O Beckett fumando um charuto e eu... Você pode imaginar como eu estava."

De fato, eu podia. Comigo, o Paul Auster controlava o tom de voz, as pausas em sua fala. Frisou o quanto estava nervoso naquele encontro com o Beckett. O Beckett baforando na sua frente, e ele sem saber o que dizer. Aos poucos, porém, foi relaxando. Os dois, na verdade. O Beckett perguntou dele, ele respondeu com humildade.

"Claro, óbvio, eu era ninguém, e ele era um de meus mestres..."

E começou a falar da obra do mestre ao mestre, porque no fundo era isso o que os unia. Auster conhecia bem os textos do Beckett, ele os estudou na universidade.

O Beckett ouviu com atenção e depois falou de um livro chamado Mercier et Camier. Como nasceu na Irlanda, mas foi morar em Paris nos anos 30 e por lá ficou, o Beckett escrevia em inglês e em francês. Comentou que estava traduzindo ao inglês Mercier et Camier.

"Veja bem", o Paul Auster me disse. "Eu tinha lido várias peças dele, mas nunca tinha ouvido falar de Mercier et Camier."

Trata-se do primeiro romance que o Beckett escreveu em francês, e ele revelou ao jovem Auster que ao traduzir decidira cortar vinte e cinco por cento do livro. E o Auster de meia idade me revelou que o Beckett não gostava muito daquele romance, por isso decidiu eliminar as piores partes.

"Eu disse ao Beckett", o Auster me disse, "que não entendia porque ele estava cortando, pois, pra mim, Mercier et Camier parecia ótimo."

O Beckett insistiu que o livro não valia, e o jovem Auster reafirmando o contrário.

E a conversa fugiu para outros assuntos, escapou da literatura. Por uns dez minutos. Mas eis que o Beckett se aproxima, põe uma das mãos nos ombros do Auster, mira-o com aqueles olhos vítreos e pergunta: "É verdade que você acha Mercier et Camier ótimo?"

Com sua magreza, sua elegância, sua perturbação e suas olheiras, o Paul Auster mirou-me. You never know, ele disse. Sorriu.

You never know.

FrestaWhere stories live. Discover now