Desvio de caminho

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Nada vinha dando certo naquela viagem. Pegar um trecho em obras da estrada nunca esteve nos planos do casal. Mas a demora fez com que atrasasse muito as horas de chegada ao destino final. Estrada ruim cheias de buracos, os faróis dos carros vindo na outra pista toda hora encandeava seus olhos cansados, estavam dirigindo a quase vinte horas, precisava chegar em algum hotel para dormirem, continuar a viagem no outro dia.

Viram uma placa indicando um hotel e posto de abastecimento a três quilômetros, um suspiro foi solto pela esposa do motorista. Ela que olhava a paisagem monótona pela janela, árvores escuras pela noite que tinha caído. Ele com fome, sono e uma dor nas costas de tanto guiar aquele carro apertado.

Uma placa indicava que deveria entrar à esquerda, ele seguia instruções na ânsia de logo poder descansar tranquilo. Dirigiu mais um pouco, logo o asfalto acabou e estrada de terra que se apresentou não era amigável... Sua expressão de descontentamento só não era maior do que o desanimo e o sono que o dominava. Olhou para sua esposa. Ela tinha o ar abatido, olheiras pronunciadas entorno dos olhos castanhos, seu cabelo estava despenteado, roupa amassada e um ar de esgotamento.

Ele achou que seria rápido achar o hotel, mas a estrada só se estendia, era como se a cada metro percorrido surgissem mais três a sua frente e nada do hotel. As árvores cada vez mais próximas da pista, alguns galhos chegavam a raspar nas laterais do carro em alguns momentos podiam-se ver algumas placas de indicação gastas pelo tempo que anunciavam o hotel. Carlos, o motorista, cada vez mais cismado com a situação. Virou para a esposa mais uma vez e com voz cansada e desanimada comentou:

- Márcia, olha pela janela e vê se encontra alguma placa do hotel, na última que vi indicava dois quilometro e aqui já marca já percorremos quatro. Onde está este maldito hotel? - dizia ele olhando para os lados forçando a vista para encontrar algo.

- Estou olhando, mas não vejo nada além destas árvores e campos desertos. - Respondeu ela olhando pela janela e esfregando os braços cruzados sobre o peito.

- Onde será que errei o caminho a placa falava virar a cem metros e agora nada.

Ele começava a ficar nervoso, olhou o ponteiro que marcava que o tanque de combustível estava vazio e eles estavam no meio do nada. Continuou por alguns minutos sentiu o carro apagando. Suspirou e colocou o carro próximo a cerca, foi no porta luvas e pegou a lanterna que sempre trazia como se adivinhasse que um dia precisaria dela. Tentou ligar, girou a chave repetidas vezes e escutava o ronco seco do motor pedindo por combustível. Olhou em volta iluminando com a lanterna, viu uma casa na encosta de uma serra. Teriam de ir até lá, para tentar conseguir ajudar, encontrar um telefone seria perfeito. Ele deu a volta no carro, sua esposa Márcia estava tão cansada que o acompanhou reclamando que queria ficar no carro. Mas na insistência dele o acompanhou. Ele ia na frente iluminando o mato. Ela vinha próxima. Ele ouvia ela reclamar que no mato poderia ter cobras e que tinha muito medo, ele para proteger iluminava o caminho e as laterais.

Foram caminhando calmamente, ele com passadas curtas e cadenciadas para que a esposa o acompanhasse. Ela segurava sua mão apertando cada momento mais forte. De repente ela se cala, ele estranha e vira-se para ela. Iluminando seu rosto, viu uma palidez mortal que transformavam seu rosto, seu olhar gelado que indicavam pânico.

- Que foi que houve, amor? - Perguntou preocupado.

- Olha a casa que está nos levando - Sua voz saiu baixa e tremida.

Quando ele iluminou a casa, ela não estava inteira era um mausoléu, paredes caída, envelhecidas, com o reboco arrancado em alguns lugares, uma cerca envolta que estava com vários lugares não existia, dava para ver que era muito maltratada pelo tempo, árvores velhas e secas, muitas trepadeiras nas janelas sem vidros, mas o que chocou não foi isso, foram as sombras que mexia nas paredes, e grandes olhos vermelhos olhando para eles. O fôlego faltou em seus pulmões.

Com um grito sua voz saiu alta e estridente.

- Vamos voltar para o carro amor! Agora!

Ela não discutiu segurando sua mão correram na direção em que achavam que estava o carro, porém na correria a lanterna caiu da mão de Carlos. Quando olharam para trás viram que quanto mais corriam, mas próximos estavam da casa. Uma força puxava eles ao contrario que faziam.

Carlos foi o primeiro a sentir as garras nos seus tornozelos segurando com muita força, entrava quebrando os ossos, ele olhou e viu uma sombra preta em volta da perna. Seus gritos fizeram a esposa largar sua mão e correr para longe dele. Ele levantou os olhos e viu uma boca sair da parede dentes grandes amarelados e com um cheiro horrível. Ele olhou as estrelas e viu que ali seria seu fim. Sua voz não sai mais quando a sombra com um golpe certeiro tragou seu corpo.

Márcia soltou da mão do marido, começou a correr mais forte, porém estava cansada e com fome, não conseguiu ir muito longe. Uma força trazia ela de volta a casa, ela olhou pela primeira vez notando os detalhes daquele lugar maldito. Era uma típica casa velha, de madeira velha e corrida pelo tempo, a tinta que cobria as paredes já não fazia diferença, não tinha telhado, as janelas... Onde estavam as janelas? Mas tinha muito mais, essa casa tinha sombras que não poderiam estar ali por conta da noite, a lua não tinha brilho suficiente para produzir sombras como aquelas, a presença do mal fez seus cabelos do braço arrepiar, lágrimas corriam nos seus olhos. Como ia sair dali não tinha esperança de sobreviver.

Ela parou de corre e começou andar devagar tentando sair da força que puxava para casa, mas a cada passo dado em direção a rua, voltava três em direção a casa. O desespero tomava conta do seu corpo, da sua alma. Gritar não adiantava, não tinha visto presença de ninguém durante o tempo que rodavam pela estrada e agora iria morrer sem que ninguém soubessem onde eles estavam. Ela pensava nisso quando sentiu a sombra agarrar seu braço. A dor foi tamanha que seu grito estridente tão alto que poderia ser ouvido em longa distância, um berro agudo que fez sua garganta vibrar. Só que não havia ninguém. A sombra carregou-a dentro da casa e mais uma vez absorveu um ser humano, deixando a noite em total silêncio e breu.

Mas havia algo de diferente naquela mulher, ela era carregada de luz, aquela mulher estava gravida. O mal aprisionado percebeu que aquele ser ainda não nascido, iria libertar ele daquele inferno. O espírito do mal que estava ali, se regozijou. Um urro de vitória foi solto. Após muitos séculos naquele lugar, sofrendo de fome e sozinho, poderia sair e fazer tudo que passou o tempo todo pensando em fazer. Finalmente livre ele se desprendeu da parede, indo pelo mato, absorvendo todos os seres vivos que encontrava. Desde pequenos vermes a pássaros que viviam nos seus ninhos. Os animais grandes ao sentir a aproximação do mal começaram a correr para fugir da morte.

De longe se ouviam os urros, gemidos e desespero dos animais em fuga. E a cada um que matava mais forte ele ficava, adquirindo forma humana como tinha antes. Seus olhos antes vermelhos, estavam ficando em tom de azul, um tom celestial. E seus contornos estavam firmes como um humano como era antes de sua maldição e condenação pelos irmãos de sangue.

Andou mais, desceu a serra e viu uma cidade próxima, sabia que a zona rural dali tinha poucos moradores, tinha agora que respirar e controlar a fome que o tomava, por que dessa vez não podia errar, se pegasse mais uma condenação nunca mais seria liberto. Ele usou muitos anos lendo tudo que passava por ali para saber que precisava de uma mulher grávida, numa lua cheia para ser liberto. E demorou muitos séculos para isso acontecer.

Sentiu sua fome grande, mas ele teria que se contentar com animais por enquanto. Mas pensou quando tivesse sua força total iria se vingar de todos que o condenara, matar todos os descendentes dos irmãos filhos de sangue. Aquela sociedade hipócrita que não o julgaram com justiça simplesmente acreditou, e teve o pior castigo que um ser podia suportar, se ele não fosse forte já teria sucumbido a loucura. Ser preso em sua casa pela eternidade, onde ninguém poderia ver, e sua fome só saciada com sangue, essa era sua pena.

Eles criaram o monstro que ele era, e por isso eles teriam de pagar. Um grito de revolta e ódio soltou de sua garganta, abalando as árvores perto.

Chegou no carro do casal que tinha absorvido, sentou-se ao volante, porém não sabia como fazer para dar a partida ou mesmo guiar. Buscou nas memorias de Carlos e com um sorriso de deboche no rosto ligou o carro após usar seus poderes, numa faísca fez com que pegasse. Naqueles anos preso, viu o mundo evoluir, de cavalos que passavam por ali até aqueles equipamentos que chamavam de carro. Ele finalmente iria sair daquele lugar. Assim começou a primeira parte da vingança.voltando pela estrada.

A maldição da sombraOnde histórias criam vida. Descubra agora