Querido, Chester

191 27 10
                                    

Chester,

essa não é a primeira carta que te escrevo. Especialmente depois que você se foi...
Mas, confesso, que passei muitos dias pensando no que falaria aqui. Tudo me parecia pessoal de mais, pesado demais, "meu" demais. Há coisas sobre as quais não consigo falar para mais ninguém além de você, em cartas que nunca lerá. Em canções que nunca ouvirá...
Então, pensei que talvez fosse exatamente essa a questão, sabe? Simplesmente falar com você, deixar sair, deixar fluir, sem medo, sem me preocupar com o quão pessoal pode ser. Com o quanto dessa minha alma e cicatrizes estarei expondo. Porque talvez hajam outros se sentindo assim, no ponto onde estive/estou. Onde você também já esteve.
Então, essa será mais uma daquelas vezes em que te escrevo, ouvindo sua voz ecoar pelos pequenos fones, buscando nos versos e acordes as respostas que só você parecia capaz de me dar...

       Estou ouvindo Sharp Edges agora e vou começar falando de dor. Minha vida sempre foi instável e pode-se dizer que sou uma daquelas pessoas inconstante, mas, se há algo que sempre foi recorrente, desde a infância, foi a dor. Ela sempre esteve lá. Ora quase imperceptível, outrora, impossível de esconder. Mais forte. Mais fraca. Por várias razões. Não física e emocional, mas física-emocional, juntas, como uma. Até que chegou um momento em que pensei não ter como viver sem dor, como se não houvesse sentido nessa possibilidade aparentemente impossível. Não seria eu. Quando toda raiva e dor (se) fosse embora, o que restaria? Não me parecia haver muitas outras opções.
Por pior que isso possa parecer, verdade seja dita, nunca fui uma pessoa exatamente feliz. Sempre fui alegre, como se houvesse nascido com isso no temperamento, como um traço de personalidade ou talvez uma disfarce involuntário. Não sei.
Sei o que é essa dor angustiante, essa misto de vazio e excesso, a vontade de gritar e calar, o sentir nada e tudo, ao mesmo tempo. Isso, eu conheço.
Felicidade? Não sei...
Mas quero, sabe?
Cheguei a achar que não saberia existir sem me sentir assim, sem todo esse peso que sempre carreguei. Mas, hoje, é só o que quero. Acho que mereço, Chester. Você também merecia. Espero que tenha se sentido verdadeiramente feliz, espero que a vida tenha valido a pena para você, ao menos uma vez. Quando segurou o pequeno Tyler nos braços pela primeira vez, quando subia no palco, quando olhava para os seus filhos lindos e sua esposa  (que exemplo de força, ela é!). Gosto de pensar que você conseguiu ser feliz alguma vez. Gosto de pensar que um dia também serei...

      Agora, estou ouvindo I'll be gone e ainda quero falar de dor. Porque foi o que senti naquela manhã de julho em que você se foi. Porra, Chester!!! Como doeu!!
Sabe o mais louco? Na noite anterior, eu fiquei sentada na sala, no escuro, com os joelhos curvados na altura do peito e a cabeça baixa, tentando parar de chorar, alternando entre ouvir sua voz e a do Burnley, procurando aquela velha faísca de sempre para me fazer ficar. Me perguntando se daquela vez não seria melhor mesmo não encontrá-la e ir embora...
Como sempre, eu chorei, ouvindo sua voz, o mensageiro, me dizendo que eu podia aguentar e ficar bem.
Então, eu fiquei aqui. Me sentindo assustada e vazia. Completamente sozinha e indesejada nesse mundo sujo e estúpido. Eu fiquei. Você me ajudou a ficar. Segurou minha mão sem saber e ascendeu a faísca. Mas ai, na manhã seguinte, você já tinha ido embora...
Pareceu tão sem sentido. Tão surreal. VOCÊ ME SALVOU! SEMPRE SALVAVA! Mas não salvou a si mesmo! Como podia? Você salvou a tantos de nós. Tantos soldiers com a armadura perfurada, sangrando, com mais rachaduras que aquele Castelo de vidro, aprendendo sozinhos que as bordas afiadas tem consequências. Deixam marcas. Marcas externas do que já está marcado dentro.

"Quando as luzes se apagarem
e abrirmos os olhos
lá fora, no silêncio
eu terei ido embora..."

Você avisou. Tantas e tantas vezes. Sempre esteve tão claro como se sentia. Mas você também disse que ia lutar... e então...
Se foi.
E aí haviam os cartões e as flores daqueles que implorava para que você ficasse, enquanto a sombra do dia tornava o mundo cinza.
Fiquei tão perdida e confusa. Perplexa. Em negação. Parecia tão absurdo. Eu queria gritar e exigir do universo que trouxesse você de volta. E eu sei que não fui a única. Mas com que direito eu podia pedir isso?
Há tantas coisas que eu gostaria de ter te dito, o sorriso cheio de luz que eu gostaria de ter te visto esboçar pessoalmente, o abraço, o agradecimento por sempre estar lá  (você ainda está. Sempre estará.) e me salvar de mim mesma e da minha mente barulhenta.
Tarde demais agora.
Too late.

Morto ao amanhecer. Tantos avisos. Tantos. Até as faixas do último álbum parecem mais um. Por que?
Eu sei que o mundo te quebrou de muitas formas. Drenou e arrancou pedaços seus. Vezes demais. Cedo demais. Mas, eu queria que não houvesse sido assim. Queria que você tivesse ficado, Chester. Precisávamos de você. Ainda precisamos. Eu preciso. E sei que você continua conosco. Com cada amigo, parente, fã. Cada soldier. Cada pessoa que te amou. Em cada coração que tocou, você ainda vive. Em cada vida que salvou.

Sabe, tenho tentando odiar menos o mundo. Pelas coisas que fizeram a mim, a você, a tantos mais. Estou tentando deixar para lá e pensar que pode ter algum sentindo em estar aqui. As vezes, nas noites em que não consigo dormir e sufoco gritos no travesseiro, eu penso em ir. Antes, estava sempre pensando nisso. Depois, houve um tempo em que quase não pensei. Agora sinto que estou retrocedendo. Entorpecida mais uma vez. Sozinha. Sentindo tudo e não sentindo nada. Pensando em ir... Mas eu não quero ir. Sei que você já esteve nesse ponto. Entendo as canções. Bem melhor do que gostaria até.
Eu quero o oposto disso. Quero viver. Quero ficar bem. Há tantas coisas para experimentar e sentir, tanto para fazer e lugares para ver. Mas olho em volto, me vejo ainda presa aqui. Fincada a esse estado mental. Confusa, presa, claustrofóbica, sufocando. Tentando ir em frente. Sempre retrocedendo. Sem saber o que fazer, o que estou fazendo, como sair disso, como cheguei nisso... Sem saber... não sei.
Você chegou a saber?

       Tenho aquele mesmo medo. Aquele que você teve. O que vou deixar para trás quando me for?
Você deixou tanta coisa. Deixou uma marca que nunca será apagada. Sou tão grata por você ter existido e lamento tanto por todas as coisas ruins que te aconteceram.
Tenho esse medo. Não quero ir assim. Não quero ir sentindo que só nasci para isso, para passar por tudo isso e depois partir, sem ter um lado bom, sem ter valido a pena.
Eu quero ficar. Ainda estou tentando descobrir como fazer isso. Mas quero ficar, Chester, quero mesmo. E você vai me ajudar nisso, como sempre, a sua voz e canções manterá a faísca acessa até que ela seja forte o bastante para incendiar.

Eu amo você. Amo mesmo. Com todo meu coração. Um amor tão puro e cheio se gratidão e admiração. Obrigada por ter existido, Chester. Obrigada por toda sua força, honra e coragem. Obrigada pelas canções. Obrigada por me salvar. Obrigada por estar sempre aqui e ser o mensageiro.
Você é amado e sempre será. Nunca será esquecido.
Espero que esteja em um bom lugar. Que esteja no Nirvana e que o Kurt e o Chris também estejam ai.

Obrigada. Amo você!

Paz, amor, empatia.
Honra, respeito, coragem.
Admiração, gratidão, força.

Você me ensinou.
Não vou esquecer.

All The Love, Kath.

CONTANDO ESTRELAS [ Projeto Setembro Amarelo]Onde histórias criam vida. Descubra agora