- Como você bem sabe, eu nasci em 1990. Uma coisa que nunca te disse foi que meus pais morreram em um acidente de carro quando eu tinha dois anos. Fui adotado pelos meus tios, José e Flavia. Não me entenda mal, eles eram boas pessoas. O único problema com eles, e algo que só fui me dar conta quando já estava mais velho, era o fanatismo religioso. José era pastor de uma igreja pentecostal. Flavia era o protótipo de mulher submissa sabe. Eu comecei a perceber que era diferente muito cedo. Com cinco anos eu queria brincar de casinha com minhas primas, não gostava de futebol, essas coisas. Adorava brincar de bonecas. Uma coisa normal. Acho que nenhuma criança deveria ser privada de brincar do que ou como quisesse. Naquela época, e ainda para pais religiosos, eu os chamava de pai e mãe, um menino querendo ficar muito com brincadeira de meninas tinha algo errado. Não diferente. Errado. E eu me culpava muito. Muito mesmo.
- Mas querido, você nunca tinha falado sobre eles...
- Calma, você vai entender o porquê. Enfim, fui criado dentro da igreja, fazendo o máximo possível para ser um rapazinho de Deus. Ajudava nos cultos. Obedecia meus tios, pais, como os chamava na época, enfim. Vivia constantemente negando aquilo que eu achava que era errado. Isso tudo, sendo uma criança de cinco anos. Eu era confuso. Retraído. Não me sentia como sendo eu mesmo. Com dez anos, passei a perceber que eu prestava muita atenção nos meninos e nos homens ao meu redor. Aos onze eu conheci o Anderson. Era um menino um pouco mais velho, ele tinha treze anos. Foi ele que me mostrou pela primeira vez uma revista com uma mulher nua. Me lembro como se fosse hoje. Estávamos vindo da escola. Ele me convidou para almoçar em sua casa que ficava a meio caminho da minha. Entramos e era uma casa bem pequena, de alvenaria. A cozinha e a sala eram juntas, a mãe dele estava no fogão. Um cheirinho delicioso de feijão maravilhoso estava no ar. Um hino de uma cantora gospel tocava no último volume. Fico feliz, de Aline Barros. Dona Martha era da nossa Igreja, loira, meio gordinha, sempre cheirando a tempero. Ela sorriu para mim, um sorriso muito largo e disse pra que eu ligasse pros meus pais. Peguei o telefone da parede e liguei. Tia Flávia me disse que tudo bem, mas que eu não me atrasasse para assistirmos ao culto do qual José ia participar na TV as três horas. Dona Martha disse que a comida ainda iria demorar um pouco e mandou que esperássemos no quarto de Anderson. Entramos no quarto dele, um dos três cômodos da pequena casa e senti um cheiro forte de suor, e algo a mais. Era o cheiro da puberdade, sabe, não sei explicar.
Marcos deu um risinho.
- Já até imagino onde isso vai parar.
Eu ri um pouquinho. Vê-lo sorrir era tão lindo e me trazia uma paz imensa.
- Não, seu bobo – Eu respondi, ansioso para contar a história – Nada disso. Não rolou nada. Ele tirou as meias e pegou uma caixa embaixo da cama. Me chamou pra perto, E na hora que eu cheguei, ele abriu a tampa da caixa e eu vi umas três PLAYBOY dentro. Ele pegou uma, abriu e começou a folhear. Eu não tinha a mínima ideia do que fazer?
- Você já viu um peito né? – Ele perguntou baixinho, já que a casa era pequena.
Balancei a cabeça negativamente.
Ele me olhou com uma cara incrédula.
- Ah, fala sério.
Eu balancei a cabeça de novo. Ele pegou, virou a revista para mim, e eu vi, o primeiro peito na minha vida.
E te digo. Não senti nada. Claro que eu sabia o que era um peito. Era só disso que os meninos na escola falavam. Mas eu nunca me interessei. E vendo um ali na revista, achei menos interessante ainda.
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Aquele fim de semana
Storie breviO professor Matheus não esperava se deparar com um fantasma do seu passado em plena sala de aula. Um fantasma que despertou lembranças a muito tempo esquecidas, lembranças que machucaram e carregaram seu coração de tristeza, rancor e ódio. Desampara...