Você lembra?

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Lembra de como nós éramos antes? Feche os olhos, eu sei que você vai lembrar, é quase impossível de se esquecer. Eu pelo menos, não esqueci.

Eu me lembro dos detalhes, das promessas, das brigas. Eu me lembro como se fosse hoje. Você ainda lembra a razão que fez você me amar ? Lembra das nossas brigas e risadas? E da primeira vez que nos falamos? Eu me lembro.

Eu estava tão perdidamente nervosa, estava prestes a começar o segundo ano do ensino médio, e eu estava genuinamente despreparada.

Era um daqueles dias dolorosos no qual eu só queria ficar na minha cama de florzinhas, mas eu precisava enfrentar.

A escola nova era bem mais organizada que a antiga, talvez eu demorasse mais para adaptar-me, em parte porque eu não conhecia ninguém, tudo aquilo era muito novo para mim Renato, tudo...

Fui a secretaria em busca de meus horários, assim que olhei o papel fiquei perplexa. "Mas que diabos é Metodologia?".

Eu tive vontade de procurar um lugar escurinho e ficar la encolhida, mas há coisas que não podemos ficar prolongando, uma hora ou noutra eu teria de naquela sala.

Entrei.

Eu provavelmente nunca tinha ficado tão vermelha como eu fiquei naquele momento, eu com certeza não sabia lidar com muitos rostos me olhando.

Optei pelo fundão, pois la eu teria uma imagem ampla da sala. Foi quando ouvi sua voz.

Grossa e rouca, era como se algo tivesse me abraçando de forma acolhedora, tinha algo diferente na sua voz, na qual a fazia ser minha canção favorita. Ela causou arrepios em casa parte do meu corpo. Foi naquele momento que eu desejei a ouvir para a vida toda, Renato.

Eu olhara fixamente para minhas mãos, enquanto você falava de séries, os outros alunos riam de suas piadas sem graça, e logo você entrava falando e falando...

-Vamos parar de lenga-lenga, e nos apresentarmos. Meu nome é Devil, Renato Devil, tenho 38 anos, está começando a aparecer alguns fios brancos, mas não estou tão velho assim, crianças. Para mim felizmente sou seu professor de metodologia, para vocês infelizmente sou seu professor de metodologia, vocês provavelmente estão se perguntando "mas que merda é metodologia?". Isso vocês vão descobrir no decorrer do ano. Mas agora eu gostaria de conhecer cada um de vocês, ok?

Sua voz, eu amei cada segundo que eu pude ouvi-la. Ela soava curiosa enquanto eu ainda olhara fixamente para minhas mãos. Você perguntou aleatoriamente, mas nunca chegara minha vez. Por uma fração de segundos achei que não tinha me visto, mas você apenas tinha me deixado por último.

-Ora ora... Temos uma ruiva dentre nós, qual seu nome senhorita?

Eu sabia que você estava falando comigo, eu fui olhando atentamente para o chão até meu olhar chegar até você, foi a primeira vez que eu olhei para você Renato, eu olhei no fundo dos teus olhos, parecia camera lenta, e meu deus, por um minuto me perdi nos azuis de seus olhos. Você tinha olheiras ao redor de seu oceano, tinha uma aparência cansada, mas isso não tirava sua beleza, com certeza não, seu olhar era profundo, como se você visse além da matéria, como se visse alma, e isso me deixava extremamente vulnerável a você, Renato.

-Moça? -eu não tinha percebido que estávamos mantendo o olhar a alguns segundos, então gaguejando, falei:

- Giardini, senhor, Alasca Giardini.

- Alasca - você repetiu lentamente como se fosse alto sagrado. - Qual sua idade?

- Há dias que eu acordo com 6 anos, noutros 87, mas normalmente acordo com 16 anos - na verdade eu não sabia como aquelas palavras tinham saído da minha boca, era você se eu estivesse em estado de hipnose. As pessoas ao meu lado riram, eu me lembro de você ter dado um sorrisinho como se tivesse vencido algo. - Sou nova na cidade - eu deixei de fitar seus olhos, e voltei a olhar minhas mãos - acho que é isso...

Por reflexo vi você sentar mesa.

- Alasca, você sabia que sentar na mesa é mal educação? Nunca faça isso...

Logo estava eu novamente olhando para seus oceanos, eu não estava mais nervosa Renato, minhas mãos não suavam mais como antes, sua voz acalmou minha ventania.

- Bem vinda Alasca, de onde você era? -você me perguntou com uma caneta na boca, sua voz soava curiosa.

- Alabama, Florida senhor.

-Soube que é bem quente lá, então se adaptará ao calor de Toronto- você sorriu, isso ressaltou suas olheiras.

-Obrigado - e sorri como resposta.

Você desviou o olhar, eu lembro de encarar você por alguns segundos, seu olhar me trazia segurança, algo que eu não consigo decifrar para por no papel.

Você continuou a conversa com os outros alunos, algumas meninas perguntaram se você era casado, se namorava, você disse que não com um sorriso genuíno no rosto. Depois disso eu não prestei mais atenção, estava ocupada demais lendo Charles Bukowski. Mas ainda assim eu estava tentando desviar o fato de você ter mexido comigo, mas nem sempre conseguimos o que queremos.

Você se despediu da turma, meus olhos encontram os seus oceanos, e você saiu.

Eu gostava de como minha vida era Renato, mas você trouxe o melhor e mais delicioso tipo de complicação para minha vida.

Vou escrever para você Renato, pensei inúmeras vezes se você realmente era digno de minhas escritas, e a respostas nas maiorias das vezes era não. Mas eu preciso aliviar, preciso deixar você e esses sentimentos acumulados saírem finalmente de mim e irem para o meu único abrigo: o papel. O conteúdo dessa carta não é bem organizado, assim como nós, ignorei todas as regras de português, ignorei vírgulas e parágrafos, queria chegar logo no foco: você, nós.

Eu vou por no papel todas as palavras que foram caladas.

Com amor, Alasca.

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