A Chegada

753 22 7
                                    


      

                                                                     Degustação.

                                                                         Prólogo:



A essa altura não devia esperar felicidade, ainda assim, pensei que houvesse uma chance.

E num segundo, toda a esperança se foi. A morte vinha a passos largos ao meu encontro e seus braços apertaram-me, ódio destilava de cada palavra de sua boca.

O vento que batia em meu rosto, nunca fora tão frio quanto agora. A morte seria rápida o bastante para eu não percebê-la? Ou tão lenta que eu sentiria todo ar sendo expulso de meus pulmões?

Meu executor sorriu, fitando meus olhos.

A hora havia chegado...


                                                                                    ***


Mal podia acreditar que eu estava ali.

Puxava a mala entre a multidão, quando vi meu nome entre os cartazes de boas-vindas: "Darah Báthory." Estava nas mãos de um cara alto, com óculos escuros em plena noite, todo vestido de preto. Devia ser... o motorista.

— Seja bem-vinda — disse ele mecanicamente ao se aproximar.

— Obrigada — agradeci mesmo assim, feliz em saber a língua local depois de tantos anos de estudo.

Então o cara que se encaixava bem no filme Homens de preto esmagou o cartaz com as mãos, fazendo uma bola, e acertou a lixeira do outro lado, numa distância considerável.

— Vamos. — Ele pareceu impaciente ao pegar a minha mala e ir para a saída do aeroporto.

Durante o trajeto até ao carro, pensamentos me assaltaram: talvez ser antipático fizesse parte de seu trabalho, meu tio não mandaria qualquer um vir me buscar... não depois da desculpa que dera para não vir ao aeroporto! Como sempre, estava muito ocupado.

Depois de ter recebido as passagens de avião, de presente de formatura, já não me chateava por nunca terem ido me visitar na Califórnia.

O motorista colocou minha bagagem no porta-malas de um carro preto reluzente, e abriu a porta do passageiro para mim. Depois de horas de voo sentada na poltrona, não era nada bom ter de me sentar novamente, mas logo estaria descansando numa cama, com a tranquilidade de me sentir em casa. Pelo menos, tentaria me sentir assim.

Enquanto estávamos em Bucareste me distraía com a vista da cidade iluminada, mas quando tudo ficou para trás e só via florestas submersas na escuridão, o silêncio começou a me incomodar.

— É muito longe? — perguntei, tentando iniciar uma conversa.

— Por que não dorme um pouco? — sugeriu, sem tirar os olhos da estrada.

Dormir?! Nosso destino devia ser mais longe do que eu pensava, ou então, o cara não estava mesmo a fim de falar comigo.

O silêncio era apavorante.

Sempre me mantive bem ocupada. No Internato queria estar onde a algazarra estivesse, e nas noites de fuga para o cinema e discotecas, lá estava eu. Parte de mim já sentia falta disso. Mas agora, é hora de crescer.

No deslizar do carro e no silêncio mortal que se seguiu, acabei pegando no sono, mas chocalhadas me acordaram, certamente estávamos em estradas ruins.

Subíamos uma estrada que serpenteava em tenebrosa escuridão. Os faróis iluminavam o caminho através da névoa, a cada curva, a sensação era de que mergulharíamos na inquieta floresta.

— Ainda falta muito? — perguntei, olhando para a escuridão fora da janela, o uivo de lobos me causava arrepios.

— Não — respondeu com antipatia, deixando-me um tanto zangada. Logo sorri ao lembrar de como tio Félix, nas poucas vezes que nos falamos ao telefone, me dizia para ficar longe dos garotos.

— Meu tio o proibiu de conversar comigo?

O motorista pareceu não gostar da pergunta, trincou a mandíbula e virou o volante bruscamente para a esquerda. Segurei firme no assento, o coração batendo a mil.

O carro parou dando um solavanco, quase bati a cabeça no para-brisas.

— Qual é o seu problema? — reclamei, passando minhas suadas mãos pelo cabelo. Não havia passado horas intermináveis num avião, para agora morrer em terra firme.

— Chegamos — disse ele, e saiu do carro.

Olhei para a frente, meu coração disparou ainda mais.

Era um castelo! Enorme e imponente.

A lua cor de prata escondida pela metade atrás de uma das torres, o uivo de lobos e o grasnar de corvos, me fizeram sentir como se estivesse num verdadeiro cenário de filmes de terror. Chutei para longe o pensamento.

Era minha nova casa e eu seria feliz nela.

Ouvi o barulho do porta-malas batendo, enquanto eu descia do carro pisando as pedras. Arrepiei-me. Certamente por causa da altitude elevada, fazia frio em pleno verão, mas não era só de frio que meu corpo tremia.

A hora havia chegado!

Segui o motorista na direção do jardim enevoado com árvores retorcidas, deparei-me com um anjo de mármore, seu belo rosto banhado pelo luar, as mãos estendidas para o alto, parecia me dar as boas-vindas.

O som dos grilos me fazia desejar bem mais uma cama. Será que eu conseguiria dormir tendo tantas coisas para falar com meu tio? Nos daríamos bem pessoalmente? E meus primos? Seríamos bons amigos?

A grande porta de madeira rangeu assim que o homem a abriu. Passei mais uma vez as mãos pelo cabelo e estiquei minha blusa.

Respirei fundo e entrei.

Após deixar minha mala ao pé duma mesa, o motorista abriu uma porta, onde vislumbrei as pernas cruzadas de um homem, seus sapatos pretos reluziam o fogo que crepitava na lareira.

Seria meu tio ali dentro? Antes que eu pudesse constatar, a porta se fechou.

Só podia ser ele!

Ansiosa, fui para perto da mala. A qualquer momento sairia por aquela porta, com um largo sorriso e braços abertos. Então nos abraçaríamos pela primeira vez.

Os minutos se passavam, eu os preenchia olhando à minha volta, tentava não pensar na demora.

Os móveis eram modernos pareciam não combinar muito com a atmosfera escura e fria que os rodeava. Minhas mãos suavam cada vez mais na ânsia da espera e eu as secava na minha calça Jeans.

Finalmente conheceria meu tio depois de tantos anos, só recebendo suas ligações, presentes e cartões que não diziam nada além de: feliz aniversário, feliz natal, tenha um bom ano. Eram poucas palavras, mas me apegara a elas.

Meu tio estava demorando, eu acreditara encontrar não só ele, mas também meus primos ansiosos à minha espera.

Seria uma festa surpresa? Eu não saberia como agir recebendo tanta atenção, ficava sem graça até em meu aniversário, e ao imaginar como seria meu casamento, caso encontrasse alguém que valesse a pena, não sabia se poderia me manter de pé, com tanta gente me encarando.

Quando finalmente o motorista voltou e fechou a porta atrás de si, agora sem os óculos escuros, deu para ver em seus olhos castanhos que alguma coisa estava errada. Muito errada, na verdade.

Para começar, ele não era um motorista.



Escapar ( Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora