A cidade

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As grossas cortinas tentavam filtrar o sol da janela. Por um momento, pensei estar acordando no internato. Era óbvio que não. Caso contrário, estaria ouvindo passos e risadas das meninas que dividiam o quarto comigo e não o sussurro cálido do vento.

Esperava ter notícias de meu tio, mas também animava-me a ideia de conhecer a cidade.

Sentia-me pesada de sono enquanto caminhava até ao banheiro. Precisava livrar-me do cheiro de perfume vencido, e meu cabelo já estava oleoso.

O banho de espuma foi realmente revigorante.

Abri a porta da sacada recebendo o calor do sol, e surpreendida pela paisagem corri até a sacada. Meus olhos se encheram com a densa floresta, os Cárpatos ao longe — a segunda maior cadeia de montanhas da Europa — verdes montanhas brilhando sob o sol de um novo dia.

Lá em baixo o jardim era cheio de flores multicoloridas e plantas desconhecidas para mim. Pés de uva e trepadeiras se enlaçavam nas árvores retorcidas. Mais adiante, a estrada que certamente dava para Sighisoara. A cidade mais próxima dali.

Hoje, tudo poderia ser diferente, melhor do que ontem. Um redemoinho gelado se acomodou em meu estômago.

Sequei o cabelo, enfiei-me num Jeans e camiseta, peguei chapéu e óculos escuros. Eu não era tão ruiva quanto diziam, meu cabelo era castanho cobre, mas as poucas sardas pelo rosto já me incomodavam, então era melhor evitar o sol.

Já pronta, peguei minha bolsa e desci as escadas.

Um estranho silêncio pairava no ar. Onde estava o barulho dos talheres de café da manhã? Onde estava o: "Bom dia, como passou a noite"?

A sala onde eu estivera a noite passada se encontrava deserta, só ouvia-se o sussurro do vento contra as janelas.

A cozinha era pequena. Havia imaginado que fosse bem maior em comparação ao tamanho do castelo.

Sentia mais uma vez uma pontada de rejeição, que acentuou-se quando encontrei ao lado do cesto de frutas uma chave de carro e um bilhete acompanhado de seiscentos leis. Depois de examinar rapidamente as estranhas notas romenas, li o bilhete:

Pegue o Sandero e vá conhecer a cidade, o dinheiro deve dar para um bom guia turístico.

Não estava nem assinado.

É claro que, depois do jeito que fui recepcionada ontem, eu não devia esperar que me mostrassem a cidade. Mesmo assim, tive essa esperança, e nem ao menos estavam em casa...

Tudo bem, eu podia me virar sozinha.

Enquanto comia uma maçã, dei uma olhada pelo jardim, onde trepadeiras se alastravam por todos os lados. O castelo por dentro podia ser moderno e elegante, com seus móveis luxuosos, mas, do lado de fora, parecia abandonado.

Parei em frente ao anjo de mármore, ele era belo, apesar das manchas escuras que o tempo lhe fizera. Se restaurado, seria como se o tempo não tivesse passado.

Era uma pena não existir uma espécie de restauração para pessoas, e, mesmo se existisse, seria superficial, pois na mente, a constatação do tempo não poderia ser apagada.

Embora tivesse tentado esquecer certas coisas, elas eram tudo o que eu tinha para saber quem sou.

Não devia pensar nisso agora. A vida me dava uma nova chance. Eu tinha uma família, só precisávamos de tempo para nos acostumarmos uns aos outros. Tudo ia ficar bem.

Escapar ( Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora