Desilusão

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Július?! — Fiquei surpresa e envergonhada, por não tê-lo reconhecido. Além de antipático, estava bem diferente da fotografia que meu tio enviara. — Nem percebi que era você!

— Não tem importância — disse ele, friamente.

— Por que não me disse nada? — Senti meu rosto corar. — Achei que fosse um motorista.

Sem me dar uma resposta, ou sequer um olhar, ele andou de um lado para o outro.

Mais do que não ser simpático com uma prima recém-chegada, o fato de ele estar na minha frente igual a uma barata tonta deixava claro que algo estava errado.

— E o tio Félix? — perguntei, encarando a porta fechada, incapaz de entender o porquê de não vir me ver, ou sequer, me convidar a entrar para vê-lo.

Ele se deteve à minha frente, as mãos nos bolsos, os olhos fugindo dos meus.

— Viajou a negócios

— Ele devia estar aqui... — comecei a reclamar desapontada. Era difícil aceitar que ele não estava ali para me receber.

— Leve-a para o quarto — disse Július, para alguém atrás de mim.

Voltei-me para ver uma garota de cabelo platinado, alta e esbelta vindo em minha direção. Parecia-me tão familiar... Seu sorriso era um tanto forçado... Não poderia ser uma empregada, não com aqueles saltos altos, jaqueta e calças de couro pretas. Voei para as fotos que tio Félix me enviara. Era minha prima.

Július e Irina estavam diferentes. Apesar de não nos comunicarmos, os imaginava sorridentes e joviais, como na fotografia. Agora carrancudos, pareciam bem mais velhos.

Sorri, estendendo a mão em cumprimento.

— Muito prazer.

— Seu quarto fica lá em cima — ignorou-me, indo na direção das escadas. — Tem tudo o que precisa, qualquer coisa é só pedir.

Peguei a mala e a segui tão ferida, que nem senti o peso enquanto subia cada degrau da escada. Queria afundar a cara num travesseiro e desatar o nó em minha garganta.

Uma lâmpada tremeluzia no corredor gélido e sombrio, enfatizando a ideia de que ali eu não encontraria o conforto que desejei...

— Sabe dizer quando meu tio volta?

Irina encarou-me, e franziu a testa.

— Não exatamente, querida. — Então empurrou porta de madeira. — Esse é o seu quarto.

Era espaçoso, com uma cama cortinada, roupeiro e penteadeira. E o melhor de tudo, uma lareira acesa.

Senti o calor me abraçar de mansinho.

— É bem aconchegante.

O quarto precisava de alguns adereços para ficar mais alegre. Cuidaria disso depois. Infelizmente, não podia fazer o mesmo com o que eu sentia agora.

Irina ficou à porta, com a mão na maçaneta, demonstrando sua pressa em livrar-se de mim.

— Temos uma sala de música e uma biblioteca ao fim do corredor — informou, antes de fechar a porta.

Música. Biblioteca.

Realmente coisas que sabia ser de meu interesse.

Mas era tudo o que tinha a me dizer?

Suspirei desanimada.

Arrastei minha mala até a cama, afundei-me no colchão e encararei minha companheira de viagem. Será que valera a pena ter aceitado a oferta de um tio, que nem se importou com minha chegada?

Talvez eu devesse ter conseguido um emprego, começar minha vida adulta e cheia de responsabilidades sozinha. Afinal, quando mais precisara... Talvez tivesse sonhado alto demais em ter uma família.

A queda foi impactante!

O vento lá fora entrava pela fresta da porta que dava para a sacada, trazendo o uivo de lobos ao longe. Arrepiei-me dos pés a cabeça. Isso era totalmente novo para mim. O clima, o horário, tudo. No entanto, eu havia esperado muito pela chance de estar aqui.

Tinha oito anos de idade quando tio Félix me fizera a proposta de vir morar com ele e, desde então, sonhara com esse momento. Agora quase podia ver meu sonho perfeito se tornar em nada.

Enquanto tirava a roupa para colocar meu pijama, tentei me apegar a ideia de que no dia seguinte meu tio apareceria.

Um pensamento me assaltou. Remexi a minha bolsa e peguei o celular. Prometera à Sra. Cooper que ligaria assim que o avião aterrasse, entretanto esqueci.

Foi para ela que tio Félix me entregou ainda bebê, pois sua esposa havia falecido. Se ele mal tinha tempo para os filhos, imagine para cuidar de mim.

Desisti da ligação após várias tentativas frustradas. Certamente precisaria de um chip romeno. Amanhã poderia resolver isso na cidade.

Deitei-me sob os cobertores, encolhi-me observando o crepitar da lareira. Eu gostava do fogo, me atraía, dava uma sensação de bem-estar, aconchego... O fogo trouxe o vislumbre do homem à lareira.

Quem seria ele?






Escapar ( Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora