Parte II

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Sepé entrou em contato com os caciques das outras missões e explicou a eles o que ocorria. Todos foram a favor de ficarem e lutarem. Afinal, aquela terra era deles! Os tupis-guaranis não eram um povo tipicamente guerreiro, principalmente, desde que entraram em contato com os jesuítas, estavam mais tranquilos e pacíficos do que nunca, o que só dificultaria a preparação para a batalha.

Porém, ainda tinham um tempo até que o exército inimigo aparecesse e poderiam se preparar. Para começar era essencial que tivessem armas suficientes. Há anos o porte de armas de fogo nas missões jesuíticas fora liberado, para que os índios pudessem se defender dos bandeirantes, mas, sem condições de produzir a quantidade de armas necessárias e treinar os índios inexperientes a tempo, optaram por utilizar seus métodos convencionais.

Usar um arco e flecha fazia parte da natureza do indígena e mesmo os mais novos poderiam aprender a manuseá-lo corretamente, enquanto que os outros poderiam melhorar suas habilidades. Também novas armas poderiam ser feitas até lá, além do planejamento de estratégias de ataque e defesa.

E foi em torno disso que a vida das missões jesuíticas passou a girar. Boa parte do que faziam era referente a preparação da defesa das reduções. E até mesmo Pe. Balda e Pe. Miguel auxiliavam os guaranis, ajudando na organização e nas decisões tomadas por Sepé. As crianças também faziam o que podiam, e todos os dias se embrenhavam na mata, subindo em extensas árvores para procurar por vestígios de que os inimigos se aproximavam.

Até aquele momento nada de estranho haviam encontrado. Mas ao voltarem para a Missão de São Miguel, certo dia, os indiozinhos se deram conta de que um deles havia se perdido na mata. Sentiram sua falta desde o início, porém, acreditaram que Caiubi voltara mais cedo para seu lar. Mas ao regressarem perceberam que não. Procurando o jovem garoto por todos os lados e não o encontrando, a turma de crianças correu até Sepé em busca de ajuda. O simpático líder saberia o que fazer.

Tiaraju se encontrava com outros guaranis, verificando a quantas andavam os preparativos. Os índios estavam com diversos taquaruçus – uma planta semelhante aos bambus – amarrando-os em torno um do outro com tiras de couro cru, de forma a se transformar em uma espécie de canhão. A princípio, o guarani com a meia-lua na testa não notou a presença dos menores e continuou sua conversa com os demais.

Foi só quando um deles tocou em suas costas que Sepé percebeu os oito garotos que o encaravam com expectativa.

Abá gûé curumim*! — cumprimentou Sepé, olhando um por um dos olhos negros que o observavam sérios. — Algum problema?

— Sim! — responderam todos, em coro. – O Caiubi sumiu.

— Só um pouquinho — Sepé fez um sinal para as crianças e se voltou para os outros guaranis. — Já volto e a gente continua. Podem ir terminando aí.

Afastando-se, Sepé fez um sinal para que as crianças fossem com ele. Já começava a anoitecer. O sol havia se posto há poucos minutos e o laranja no céu começava a dar lugar à escuridão. Andaram pela praça seca no meio da redução, em frente a Igreja com suas duas torres de paredes espessas de barro e pedras branqueadas de tabatinga. Do lado oposto à Igreja, um grupo de indígenas chegava de mais um dia de caça e pesca, trazendo consigo os frutos daquela atividade que alimentariam toda a comunidade.

Após cumprimentar os caçadores, Sepé deu toda atenção às crianças:

— O que aconteceu com Caiubi? Me expliquem direito.

— A gente não sabe. Vimos que ele não tava mais com a gente e achamos que ele tivesse voltado pra redução. Quando chegamos aqui vimos que não e fomos te procurar, Sepé.

Essa terra tem dono, zumbis!Onde histórias criam vida. Descubra agora