A garota da floresta

A garota da Floresta - Capítulo único

Estava frio naquele lugar, no chão. Mas eu podia sentir mais que qualquer coisa a natureza ao nosso redor ao cair da noite, e mesmo a fogueira não sendo o suficiente para nos aquecer eu sabia que podia aguentar. Afinal, já havia passado por coisa muito pior.

Mas agora eu não estava sozinha e tinha que proteger outra pessoa além de mim mesma. Ela estava deitada um pouco afastada de mim mas não podia ir muito longe pois também precisava do calor da fogueira para sobreviver a mais essa noite. Ela finge dormir mas já a estou observando há alguns minutos e sei que está acordada e tremendo de frio, e apesar de estar de costas para mim posso dizer pela forma como está encolhida que está com medo. Isso tudo deve ter sido uma mudança tremenda para Kira, um dia estar vivendo uma vida de princesa e no dia seguinte se afugentando no meio da floresta com uma pessoa quase que totalmente desconhecida.

Estava completamente afundada em meus pensamentos sobre a garota a minha frente que me assustei um pouco ao ouvir sua voz meio rouca.

- Não deveria ficar olhando as pessoas dessa forma.

- De que forma? - Pergunto-lhe surpresa por ela ter me descoberto.

- Com olhos de pena.- ela finalmente se vira de frente para mim e a maneira como a luz de nossa fogueira improvisada reflete em seu rosto é magnífica.

- Não são olhos de pena... - Ela agora me olha com atenção. - Eu chamaria de admiração. - Falo e logo percebo que falei demais. - Quer dizer, eu não estava te olhando.

- Tâmia, eu sei que está me olhando já faz tempo.

- Quer dizer que agora você tem olhos nas costas? – Lhe dou um sorriso de lado um pouco debochado. Ela cora e finalmente posso vê-la sorrir depois de tanto tempo.

- Como descobriu meu segredo mais profundo? – O jeito que ela sorri ao dizer isso é maravilhoso e de alguma forma posso dizer que esse sorriso mexeu comigo.

- Está com muito frio? – Pergunto apesar de já saber a resposta, apenas para ouvir um pouco mais de sua voz.

- Um pouco – E se encolhe ainda mais do que achei possível – Mas nada que uma ex-princesa não possa suportar. – Admiro sua coragem ao me encarar e utilizar o apelido pelo qual tantas vezes a chamei esses dias.

Não posso evitar sorrir ao vê-la exibir sua melhor cara de metida, o que não parece combinar muito com o local onde estamos no momento, mas logo a vejo tremer novamente e então uma ideia passa pela minha cabeça e decido me levantar antes que perca a coragem, me aproximo lentamente de Kira, não posso dizer se a lentidão dos meus movimentos é por causa da queda que sofri mais cedo, pelo frio congelante da floresta ou se pela sensação suave e ao mesmo tempo tempestuosa que sentia dentro de mim apenas por ver sua expressão um tanto quanto confusa porém com um sorriso suave ao perceber que estamos tão próximas.

- Lembro de ter lido em algum lugar alguma vez que não há calor mais confortável para alguém que está com frio que o calor humano. – Digo ao me sentar ao seu lado e a vejo se virar um pouco melhor para me olhar enquanto sorri debochada.

- Quer dizer que você já leu algum livro alguma vez? Por essa eu não esperava.– A olho indignada.

- Nossa! Eu venho te oferecer um pouco do meu calor humano e você decide debochar da minha cara. Me sinto realmente ofendida nesse momento. Muito obrigada Kira! – Pareço séria mas apenas tô entrando na brincadeira. Ela parece não perceber isso e se senta rapidamente bastante envergonhada.

- Me desculpe, não era minha intenção te ofender, eu estava apenas brincando. Não imaginei que fosse achar que eu estava falando sério. Desculpa, não acontecerá novamente.

- Hey, calma. Eu estava apenas brincando, jamais me ofenderia com algo vindo de você e sei que não falaria aquilo sério. Fica tranquila. – Sorrio para ela enquanto arrumo atrás de sua orelha uma mecha de seu cabelo que parece gostar de cobrir seu olho direito. Ela rapidamente se acalma e deita puxando um de meus braços passando ao redor de sua cintura enquanto fica de costas pra mim. Eu me arrumo melhor ao seu lado e agora estou a abraçando.

Da maneira como estamos deitadas nesse momento, com meus braços ao seu redor e sua mão por cima da minha posso sentir como ela estava gelada, mas isso parece mudar totalmente ao se aproximar ainda mais de mim de modo que agora posso sentí-la totalmente junto à mim, também sinto seu coração batendo quase tão forte quanto o meu.

É, o calor do corpo dela junto ao meu realmente é o mais confortável que já experimentei. Ela parece se encaixar perfeitamente em mim.

Depois de alguns minutos e o frio já totalmente esquecido ela se desvencilha de meu abraço devagarzinho e sinto o medo me invadir por um instante em que imaginei que ela já havia cansado de mim, mas esse sentimento dura poucos segundos pois ela logo se vira, agora ficando de frente para mim enquanto deita sua cabeça sobre meu peito. Posso dizer que agora ela consegue ouvir meu coração mais que tudo pois ele parece querer saltar do peito e ir para mais perto dela, como se fosse possível estarmos mais grudadas que agora.

Logo a ouço dar uma pequena risada enquanto ela levanta o rosto em minha direção.

- Posso saber qual o motivo da graça de repente? – Pergunto confusa.

- Você. – Ela diz e parece rir ainda mais.

- Eu? – Não entendo mais nada. – Como assim?

- Você. A forma como seu coração está batendo forte nesse momento. – Ela fala como se fosse só eu nessa situação.

- Você fala como se eu fosse a única. – Falo e ela logo cora. – De onde estou agora posso sentir seu coração batendo tão forte quanto o meu. Sabia?

Ela não fala nada, apenas me olha profundamente e sorri da forma doce que eu tanto admirava. Não consigo descrever exatamente o que sinto nesse momento mas é algo com um calor mais que físico, como se houvesse entre nós algo bem mais quente que a nossa fogueira e que toma conta do meu peito completamente mal me deixando pensar. É como o olhar que trocamos mais cedo só que agora muito mais intenso. Nossa conexão nesse momento chega a ser algo palpável.

Seu corpo sobre o meu.

Minha mão sobre sua cintura.

Suas mãos em meu cabelo.

Meus lábios junto aos seus.

E foi como se algo finalmente houvesse se encaixado no universo e o que estivesse acontecendo nesse momento fosse o que estava para acontecer desde a primeira vez que a vi, o que já deveria ter acontecido a muito tempo. Não que eu já tivesse pensado em beijá-la antes de hoje, era mais como um desejo inconsciente do qual nossos corpos estavam bem cientes. Como se nossos corpos nunca soubessem o suficiente um sobre o outro. E em breve o que havia começado de uma forma suave havia se tornado furioso...
Sedendo...
Incansável...

E ali, naquele lugar, no chão daquela floresta ao lado de uma fogueira que agora não parecia mais que uma pequena chama de fósforo perto do que eram nossos corpos aquecidos um contra o outro, debaixo de um céu cor de ébano quase não estrelado eu soube que não havia sentimento melhor do que sentir o corpo agora totalmente corado de Kira junto o meu.

E eu pude afirmar com toda a certeza que havia encontrado lar.

E era junto dela.

Junto de Kira.