HOLD.

House

-Minha mãe já faleceu, Fernando.
-Ah, me desculpa, bebê, você vai chorar?
-Se continuar me provocando quem vai chorar é você.
Nesse momento todo mundo da roda estava me olhando, sorri um pouco pra quebrar o gelo. Não funcionou. Tocou o sinal. Todos nós precisávamos estar em fileira. Agora era aula de Arte. Eu já sabia que seria uma droga.
Achei engraçado que todos os meninos voltaram à seus respectivos lugares, menos Gabriel. Ele se separou da minha carteira, mas continuou do meu lado.
Tudo bem até então. É só um dia comum, Heloísa. A professora entrou na sala e fez toda aquela introdução de começo de aula. Me deu boas vindas também. Agradeci. Ela era legal, por isso os alunos respeitavam bastante ela. Ninguém conversava.
Vejo Gabriel escrevendo qualquer coisa em um bilhete. Ele me olha e estende a mão. Peguei o bilhete, estava escrito.
"Você é estranha, mas é legal. Posso ir na sua casa, hoje? Quero te passar as matérias e ser seu amigo, Helô."
Dei uma risada pra ele. Mas pensando naquilo que ele tinha escrito, até cogitei a possibilidade de aceitar. Fiz sinal afirmativo com a cabeça, ele ficou todo feliz. Parecia até uma criança. Mas na verdade nós somos, né? Só temos treze anos.

15:00, intervalo.

Fiquei bem aliviada quando tocou o sinal, a aula estava bem chata. Gabriel e Fernando estavam conversando na porta. Fui passar por eles pra sair da sala. Gabriel pegou no meu braço (nada educado isso) e disse:
-Quero te mostrar uma coisa. O Fernando pode ir na sua casa também?
-Contanto que vocês dois parem de me encher o saco, tudo bem.
-Você não vai se arrepender, é uma coisa que vai gostar.
-Agora será que você poderia educadamente me soltar? Tá doendo, caralho.
Ele me soltou e deu uma risada do tipo "que droga eu estava fazendo".
O intervalo foi chato, só durou 20 minutos. Fiquei ouvindo música num lugar meio afastado do pátio.
Voltamos do intervalo pra sala, agora vou pular até a parte da saída, porque o resto de aula também foi uma droga e estou ansiosa pra contar oque aconteceu.

17:50, saída.

Já tinha saído da escola, estava conversando com meus dois futuros melhores amigos. Vi o carro do meu pai, e disse:
-Ali, vamos.
Eles me seguiram até o carro, abri a porta e disse:
-Oi pai, posso levar dois amigos pra conhecer nossa casa?
-Fico feliz que você tenha feito amizades tão rápido. Agora seja educada e abra a porta pra eles, como eu te ensinei.
Eu só entrei no banco da frente e disse: eles podem fazer isso.
De dentro do carro vi um olhando pro outro, mas logo o Fernando já abriu a porta de trás e entrou sem hesitar muito. Gabriel entrou em seguida. O caminho até em casa foi tranquilo, não conversamos muito durante o trajeto, só se ouvia a voz do meu pai me contando como tinha sido o dia dele.
Quando chegamos, meu pai disse:
-Crianças, eu não vou poder entrar com vocês agora, tenho que fazer uma coisa no centro da cidade. Essas coisas de adultos que são chatas, mas fiquem à vontade, volto logo.
Dei um beijo e um abraço no meu velho, depois saí do carro, Fê e Biel também saíram, mas um pouco antes de mim. Vou chamar eles assim, Fernando e Gabriel é muito formal.

Eu -Aqui é minha casa, vamos entrar.
Fê -Que casa bonita, parece ser grande.
Biel -Teu pai é muito bonzinho, né?Mas chega de enrolação, vamos entrar.
Eu abri a porta da casa, que dava direto pra sala.
Fê -Linda sala, mas está meio vazia, faz quanto tempo que você mora aqui?
Eu -Uma semana. Vamos pra o quintal, lá tem coisas mais legais que aqui. Por exemplo, cadeiras e uma piscina.

Gabriel riu de um jeito estranho do que eu falei. Mais uma paranoia minha. Enfim, eles me seguiram até o quintal, nos sentamos em uns banquinhos que estavam lá e ficamos olhando pra piscina. Pra acabar com o silêncio começamos à falar sobre oque Gabriel tinha pra me mostrar, confesso que estava ansiosa.

Biel -Tu não quer ver o que eu queria te mostrar?
Fê -Deixa a mina em paz, a gente mostra isso outro dia.
Eu -Podem me mostrar o que for, talvez até amanhã eu não esteja viva, né?

Fiz aquele drama básico que faz qualquer pessoa fazer qualquer coisa pra mim. Então, Gabriel mandou eu fechar os olhos, pegou na minha mão, abriu ela, colocou alguma coisa que parecia um saquinho de plástico nela, fechou e disse: Pode abrir os olhos, agora. Obedeci. Quando olhei aquilo imaginei: "esses caras são bem mais loucos do que eu pensava".
Era um saquinho com maconha. Que merda, isso só me fez ter mais certeza de que eles eram dois idiotas. É cômico, dois caras de 13 anos maconheiros?
Eles perguntaram juntos:
-Você sabe oque é isso?
-Eu não sou burra.
Biel -Quer fumar?
Eu -Os drogados aqui são vocês.
Fê -A gente bola pra você, se esse for o problema. Dá só uma tragada...
Enquanto Fê me falava isso, Gabriel já tinha tirado uma seda do bolso.
Acho que vocês podem imaginar o que aconteceu, né? Eu experimentei, me senti uma merda por isso, mas gostei da sensação. Eu sentia meu corpo muito leve, era uma coisa única.
Depois de tudo isso, de termos fumado e conversado mais, já era umas 19:00, meus irmãos (que estavam na casa de um amigo em comum deles) estavam pra chegar. Meu pai não tinha voltado ainda, sempre que ele diz que vai ser rápido, é porque vai demorar.
Eu disse:
-É melhor vocês irem embora... Me dá teu caderno, Gabriel, vou copiar a matéria e amanhã te devolvo.
-Tinha até esquecido que usei a desculpa de te passar a matéria. Desculpa, mas eu não copio muita coisa. Mesmo assim, se for útil, tá aqui.
Ele tirou o caderno da bolsa e me entregou. Um caderno com capa do Batman. Ridículo, diga-se de passagem.
Acompanhei eles até a porta.
Fê -Acho melhor você ir tomar um banho e depois tentar dormir. Se seu pai te ver agora vai ter certeza que tu tá brisada.
Eu -Vou fazer isso, claro. Até amanhã, meninos, vocês até que não são tão idiotas quanto eu pensava. Só um pouco.
Fiquei olhando eles andarem, indo embora, estavam conversando, acho legal a amizade deles. Logo eu fechei a porta e fui tomar um banho.
Acho que eu fiquei uns 5 minutos me olhando no espelho. Tipo: -Heloísa, você tá ficando louca? Eu só conseguia me perguntar isso. Eu pensava neles e no quando eu mudava de opinião sobre os dois. Tudo isso em um dia só. Que droga.
Tirei a roupa, liguei o chuveiro, enquanto sentia a água caindo no meu corpo, lembrava de tudo que tinha acontecido no meu dia. Um longo dia. Depois que terminei o banho, fui dormir. Ou fingir que estava dormindo. Passei por coisas legais e erradas hoje. Espero que amanhã tenha mais.