O Prólogo Dela

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Eu a odeio tanto.

A raiva e o ressentimento queimam minha alma.

Tudo o que mais queria era que ela desaparecesse.

Que deixasse o meu mundo em paz.

Pois não importa o que digam. Não importa todos os julgamentos e olhares de nojo que irão recair sobre mim. Muito menos importa o sangue que dividimos, eu amo o meu pai e ela o está tomando de mim de todas as formas possíveis.

Mas tragicamente não posso fazer nada quanto a isso. Simplesmente porque o amo demais e nunca faria algo para machucá-lo.

E é assim que solenemente eu me calo e observo o pesadelo do qual nunca iriei acordar.

Mas quando tudo começou? O que levou a esse amor imoral? E, especialmente, quem sou eu?

Com um delicado levantar de saias, me apresento: Mai Hendrix, um grande prazer. De desculpe a súbita explosão de ódio, meu gênio é meio difícil — e eu não prometo tentar melhorar.

Agora falando sobre as duas outras perguntas, lamento dizer, mas não terá uma resposta tão rápida e simples. Definitivamente não. É uma história longa, sendo sincera. Logo, é melhor sentar-se, pois tenho muito o que falar, para assim chegar ao ponto em que eu e você começamos nossa conversa.

Preparado? Ótimo. Hora da verdade.

Certamente clichê, mas tudo teve início na minha infância. Não me lembro bem dela, mas até os três anos eu tive uma mãe. Seu nome era Hellena Hendrix e ela me teve por acaso aos seus vinte e cinco anos. Pelo que me contam, ela e meu pai se conheceram as portas da vida adulta em um show, como uma primorosa obra do destino, e depois não se desgrudaram mais. Se tornaram melhores amigos e então um casal de pombinhos apaixonados que constrói com empolgação o novo lar.

Embora cheia de surpresas e desafios, a vida deles foi bem feliz e empolgante. E mesmo eu surgindo no meio do corre-corre diário de forma inesperada, minha chegada foi recebida com amor e expectativa. Era assustador, mas parecia certo demais apesar da grande responsabilidade.

Fomos uma boa família, cheia de suporte e ternura, é o que me dizem. Mas um dia, no entanto, esse pequeno mundo construído com tanto cuidado e carinho simplesmente ruiu e a vida para nós três nunca mais foi a mesma.

Correção, para nós dois, já que a da minha mãe, em seu aniversário de vinte e oito anos, deixou tragicamente de fazer parte do mundo.

Naquela madrugada em que ela nos deixou, eu estava na casa dos meus avós maternos, em outra cidade, aguardando papai e mamãe que haviam ido comemorar as últimas horas do dia especial dela em um show em Londres.

Ambos sempre gostaram muito de rock, em especial dos anos 80 e 90. E como eles se conheceram em um show da banda favorita deles, pareceu apropriado para meu pai lhe dar de presente uma ida ao espetáculo para reviverem os velhos tempos e renovar com ainda mais furor do amor que havia entre eles.

Honestamente, a ideia é bem romântica e se fosse eu, também teria adorado. Infelizmente, entretanto, o gesto apaixonado teve um desfecho trágico, que rendeu cicatrizes tão feias, que até hoje ainda parecem feridas abertas.

Após o último acorde ser tocado, os dois resolveram voltar para casa ao invés de alugar o quarto de hotel na cidade e viajarem no outro dia quando estivessem descansados. Falam que essa foi decisão exclusiva do meu pai, mas sempre tive a certeza que foi uma escolha compartilhada por ambos.

Uma hora de viagem e um caminhão se chocou contra o carro deles após realizar uma ultrapassagem perigosa, mas ainda sim foi culpa do meu pai. Opinião dos meus avós maternos, preciso dizer. Crença a qual eles tentaram com todas as forças enfiar na minha cabeça, mas não conseguiram.

Os Espinhos da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora