Capítulo I

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M A I

Realmente, muita sorte a minha as luzes da sala de estar estarem apagadas e ser noite, porque se não todos aqui iriam poder ver a minha cara de puro desgosto que, dizem por aí, é bem ameaçadora. Mas, em minha defesa, a culpada disso era ela.

Evangelique. Ou Eva, como meu pai gosta de chamá-la. Oh, que nojo.

Um rápido resumo do que está acontecendo aqui: eu, a querida e devotada filha, sempre gostei muito da companhia do meu pai — como bem sabem — e, como o sentimento é recíproco — de uma óptica inocente e paternal, no entanto ­­— nós sempre damos um jeito de fazer "programas especiais pai & filha" ao menos uma vez por semana. E hoje, domingo, foi o dia escolhido. Sendo assim, pegamos nossos filmes favoritos, fizemos pipoca e começamos uma "sessão nostalgia", trocando comentários sobre o porquê de gostarmos tanto daqueles filmes e memórias antigas relacionadas aos mesmos. Era para ser um resto de final de semana agradável, um pouco íntimo e divertido, uma pausa na rotina caótica de uma universitária e um homem com agenda apertada graças ao cargo que ocupava em seu trabalho.

Era para ser um momento só nosso. Pai e filha.

Não pai, filha e Evangelique.

E era, especialmente, para eu estar nesse momento debaixo das cobertas, se tudo desse certo, envolvida nos braços do meu pai recebendo um cafuné.

Ou seja, embora simples, um encontro a dois perfeito, mesmo que só uma das partes estivesse consciente disso. Mas então essa mulher irritante fez o favor de telefonar para o meu pai, sabe-se lá porque, e quando ele comentou sobre nossos planos da noite, ela simplesmente se convidou para vir ao nosso apartamento e o roubou de mim. Onde era para estar pai e filha, quentes e confortáveis, um nos braços do outro, agora estava eu, recostada no canto esquerdo do sofá, meu pai no oposto e Evangelique entre nós dois, jogada sobre ele e com os pés virados na minha direção.

Sério mesmo, Eva?

Era quase como se estivesse tentando me ofender.

Então, sim, eu estava muito mal-humorada e frustrada. E tudo culpa da irritante namorada do meu pai.

Espero que não queira passar a noite aqui, folgada, pensei cheia de veneno, espiando-a pelo canto dos olhos.

De repente a sala ficou um pouco mais escuta e percebi que o filme havia acabado; a imagem colorida com os atores tinha sumido e dado lugar a uma tela negra com os créditos subindo. Soltando um suspiro, me levantei do sofá. Havia mais dois filmes para assistir segundo o meu plano original para a noite, mas sinceramente eu não tinha animo algum para ficar as próximas quatro horas sentada ao lado do casalzinho.

Desviando da mesinha de centro retangular, foi até o DVD sobre o móvel abaixo da TV e apertei um botão para tirar o CD. Atrás de mim ouvi meu pai e Evangelique se mexendo sobre o sofá.

— Adorei o filme, amor — disse ela, me fazendo revirar os olhos com o apelido. — É o seu favorito, não é?

Peguei a caixa do CD para guardá-lo e me virei para os dois.

— Na verdade é o meu — corrigi com um sorriso afetado. — O anterior que era o do meu pai.

— Ah, sim — respondeu, quase não conseguindo esconder o tom de insatisfação na voz.

Além do DVD em mãos, fui para o sofá pegar minha coberta. O significado do ato não passou em branco para o meu pai.

— Já vai dormir, querida? Está cedo — Ele perguntou para mim, fazendo menção de levantar, para que Evangelique saísse de cima dele.

Os Espinhos da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora