Após incontáveis dias de viagem, Anathis e toda a tripulação estavam de volta em Insel der Verlorenen¹, o lugar em que todos ali poderiam chamar de 'lar' – ou o mais próximo que poderiam achar disto. Uma vez em terra firme, a Caçadora Oculta foi uma das primeiras a zarpar da navegação devido a sua posição durante a viagem. Certamente a chegada ao lar é o momento mais feliz na vida de todos, mas de longe não era para Anathis.
Desde que sua vida mudou de Princesa Herdeira para Caçadora Oculta, Anathis não conseguia se sentir verdadeiramente em casa. Não que sentisse falta daquele castelo que mais parecera uma prisão a sua vida inteira – bem pelo contrário –, mas sentia falta da única coisa que poderia fazer Anathis se sentir em casa: Skalia, sua irmã mais nova. Há mais de três anos sem se verem, a mais velha sequer sabia como sua irmã estivera, se está sendo tratada bem pelos seus pais, se ainda se recorda de Anathis... essa dor lacerava a alma conturbada da Caçadora, que não conseguia passar um dia nem noite sequer sem pensar na parte de si que ficou para trás quando foi embora de vez de Garde.
"Eu voltarei por você, Skalia", mentalizava Anathis, com os olhos fechados e tentando chegar até sua pequena irmã por pensamento. "Vou livrar você disso, assim como me livrei."
De volta à vida real, Anathis adentrou a velha cabana de madeira e palha que residia. Um lugar humilde, não muito espaçoso e com poucas entradas de luz. Um esconderijo perfeito para ela, uma das mulheres mais temidas e procuradas d'Os Reinos Vitais. A garota jamais gostara de luxo durante sua vida e estadia no castelo de Garde, aliás, pelo contrário. Sempre fora forçada pelos pais – principalmente pela mãe, a Rainha Enthe Hüthkenn – a portar-se da maneira mais graciosa e submissa o possível, jamais questionar ordens e servir o povo acima de todas as coisas. Mas quando Anathis percebeu que a única coisa que importava para sua família era o poder e a soberania, não havia escolha para si: ou ela deveria se juntar aos porcos e servir-se de 'lavagem', ou deixá-los em um chiqueiro e degustar um belo banquete. Por mais que desde que fora embora Anathis não tenha degustado banquete algum, o sentido figurado de sua analogia lhe bastava. Estava satisfeita com o que tinha: sua liberdade e vida sob seu próprio controle. Isto sim é um verdadeiro banquete.Mesmo sem muita fome, Anathis obrigou-se a comer, lembrando de que se não tiver forças para caçar, sua sobrevivência estará ameaçada. A cada colherada de seu ensopado de cordeiro e legumes, a Caçadora tentava se concentrar em seus próximos passos, em encontrar novos serviços e, quem sabe, explorar outras ilhas e Reinos. Nada a tirava mais a atenção do mundo real do que seus planos e idealizações sobre o futuro. E, ainda assim que ser a Caçadora Oculta signifique uma espécie de cargo, Anathis não encarava nenhum de seus serviços como algo trabalhoso ou que demandasse esforço em demasia. Nos últimos tempos, a garota rebelde de Garde que havia se tornado uma mulher temida, sabia exatamente porquê não considerava todos os perigos e controvérsias de ser uma caçadora algo trabalhoso. Simplesmente porque Anathis desenvolvera gosto por caçar, por sentir sua presa – humana ou não – desesperada por salvação. Não que ela admitisse isso em voz alta, mas seu corpo queimava por dentro todas as vezes que precisava fazer uma nova caçada.
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A Caçadora Oculta - Livro 1
FantasyQuantos segredos uma família de porte real é capaz de suportar? Quanto tempo é preciso para que estes segredos arruinem vidas? Desde cedo seguindo o caminho de uma vida aventureira, Anathis Hüthkenn nunca se sentiu tentada a ser uma rainha, se casar...