O céu tinha um tom alaranjado e o sol já se escondia no horizonte quando Lúcia chegou a porteira da Fazenda Macambira. Cada músculo doía, o corpo suado suplicava por descanso, mas ainda havia um bom pedaço de chão entre o arco de madeira ostentando o nome da propriedade e a casa sede, localizada na parte mais elevada do terreno.
Lúcia encostou a mão na porteira e parou. Ainda custava a acreditar que estava ali, a poucos passos do algoz de sua família, e que logo saciaria o desejo de vingança que a atormentava há mais de oito anos. Empurrou a cancela, fazendo força para arrastar a madeira pesada e entrou, ciente da importância do passo que dava, agora não havia como voltar atrás.
Fechou a porteira e prosseguiu, não encontrando ninguém na estrada de terra que levava a casa sede, mas não estranhou o fato, não era como se a Fazenda Macambira precisasse de um vigia, ninguém ali seria louco o bastante para roubar o Coronel Alcântara. Todos reconheciam a autoridade do fazendeiro e sabiam que pagariam com a vida se violassem a propriedade dele.
O caminho de barro era levemente inclinado e logo a silhueta da casa sede, erguida sobre uma fundação de pedra, se tornou mais visível, os últimos raios de sol refletindo em sua fachada, fazendo a pintura branca adquirir um tom amarelado. As seis janelas de madeira estavam abertas, assim como a porta larga, numa tentativa de arejar o interior da construção imponente.
Lúcia seguiu para os fundos da propriedade, passando pelo terreno bem-cuidado com uma plantação de feijão e mandioca para abastecer a casa grande. A terra arada e as plantas verdes eram muito diferentes do chão seco e rachado e da vegetação espinhosa e retorcida que Lúcia tinha deixado para trás.
Aproximou-se da porta da cozinha, cuja parte inferior estava fechada, e subiu os três degraus de pedra e secou o suor das mãos na saia do vestido. A pouca iluminação natural não lhe deixava ver muito do interior da cozinha, apenas os contornos dos móveis, mas as dimensões do cômodo eram maiores do que as da casa de taipa onde ela morava com a mãe. Não havia qualquer barulho que indicasse a presença de alguém no local, então Lúcia bateu palmas e emendou:
— Ô de casa!
Ela chamou mais duas vezes, até que uma senhora negra, com os cabelos crespos repuxados e bem presos apareceu. Seu rosto enrugado tinha um ar maternal e a boca larga se abriu em um sorriso amistoso e com algumas falhas assim que viu a jovem.
— Pois não? — a senhora perguntou, parada na soleira da porta, o vento quente agitando a saia azul de algodão que ela usava. O tecido azul estava puído e havia algumas manchas de alvejante na barra da roupa, que lhe descia até os tornozelos
— Boa tarde — a jovem começou, sentindo a boca seca pela longa jornada. — Meu nome é Lúcia e eu tou procurando trabalho.
A senhora não respondeu e seus olhos escuros e esbugalhados analisaram a jovem, indo das sandálias de couro surradas e sujas de terra, passando pelo vestido preto de chita, que era um pouco mais escuro do que o tom de pele da moça, e pousando no cabelo preto escorrido, preso em uma trança quase desfeita. Lúcia sentiu a apreensão crescer no peito à medida que o olhar da mulher subia pelo seu corpo e quando finalmente a empregada a encarou, a simpatia havia abandonado a postura dela.
— Vá embora. Não tem nada para você aqui — respondeu, cruzando os braços.
Lúcia a encarou, procurando entender a mudança brusca da senhora. Por um instante, achou que tinha conseguido uma aliada e que a mulher a acolheria, mas a animosidade dela gritava para que partisse imediatamente, o que estava fora de cogitação. Não tinha chegado até ali para desistir diante do primeiro obstáculo!
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Sob o Sol do Sertão (PAUSADA ATÉ OUTUBRO DE 2018)
Ficção HistóricaQuando era criança, Lúcia viu o pai ser assassinado e a irmã se suicidar por culpa do Coronel Alcântara. Depois, ela assistiu à mãe definhar, incapaz de suporta a dor de perder a filha e o marido. Agora, oito anos depois, Lúcia chega à Fazenda Macam...