• capítulo quatro •

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Tá, eu não tinha literalmente encontrado meu pai. Mas ao mesmo tempo eu tinha encontrado meu pai! Era uma sensação confusa de explicar. Naquele momento eu finalmente sabia quem ele era, sabia seu rosto, tinha até coisas dele para ler, mas não o conhecia de verdade.

Um lado meu estava fervilhante com aquela descoberta, outro estava sem saber o que fazer. Não sabia se contava para minha mãe, não sabia se tentava entrar em contato com ele. Eu queria conhecê-lo, disso estava certa, mas não tinha certeza da maneira correta de levar as coisas. Se eu dissesse que queria vê-lo, minha mãe surtaria. Todas as minhas tentativas de conversar sobre o meu pai naqueles últimos anos resultaram sempre em brigas. Conseguir o seu primeiro nome foi uma briga. Tinha sido uma total surpresa a facilidade com que ela meu deu seu sobrenome naquela ligação. Na verdade, eu sabia que não seria tão fácil assim. Tinha sido fácil pelo celular, mas em casa um longo interrogatório me esperava e eu já me preparava mentalmente para isso. Então, só de contar que havia encontrado ele, ela provavelmente surtaria. Guardar segredo, ao menos por um tempo, seria a melhor opção.

Sentada novamente ao lado de Tom, tentei relaxar e parar de pensar um pouco naquilo. Por ora, não podia fazer nada, então me foquei naquele momento.

Durante a uma hora que passei no Clube do Livro, nós tivemos um longo debate sobre Macbeth, sobre como ele expressava o homem contemporâneo. "Ele é narcisista para caralho", disse alguém. "Faz tudo por si e para si, sem pensar em mais ninguém", comentou outro. Concordava com tudo que eles diziam e fiz alguns comentários também. Macbeth é bem isso: narcisista, egoísta, alienado ao que acontece ao seu redor, sedento por poder — um reflexo de muitos homens e mulheres. O consolo da história é que, spoiler, no final ele tem a cabeça decapitada.

Seguindo, nós conversamos sobre como a vida reflete a literatura e fizemos algumas especulações sobre o que será escrito e lido daqui cinquenta anos. Coisas digitais, 100% online, nisso todos concordavam. Ainda haveria espaço para livros físicos, mas o domínio seria de coisas digitais, aplicativos gratuitos, onde qualquer um poderia ler o que quisesse, sem se preocupar em pagar uma nota por uma história que não sabe se vai gostar ou não. Então entrou em discussão a sobrevivência dos escritores. "Eles precisam receber algum pagamento", Tom pôs o ponto em debate. Chegamos à conclusão de que anúncios, assim como no YouTube, seriam uma solução. Os leitores teriam acesso gratuito aos materiais e os escritores receberiam de acordo com seu número de leitores/visualizações.

Ao final do encontro do Clube, me despedi de Tom e fui encontrar Vivian na Moondust.

Quando cheguei, ela estava parada ao lado do aparelho de som, sincronizando uma música.

— Lisa! Venha aqui, preciso da sua ajuda numa decisão difícil.

— E qual é?

— Estou indecisa entre colocar esse pessoal para ouvir La Vie En Rose ou Dollhouse.

— São opções distintas — avaliei, com meu ar de crítica. — E opções excelentes. Mas já escolhemos essas outras vezes. Tenho algo novo.

Eu sincronizei meu celular e coloquei para tocar Poema De Lágrimas, de OutroEu.

— Que música triste — comentou Vivian, estando nós já sentadas a uma das mesas-meteoritos.

— Um pouco — concordei. — Preciso contar uma coisa.

— Preciso ficar com medo?

— Eu sei quem é meu pai.

A reação da Vivian foi calma, como eu esperava. Ela não era de ter reações muito exaltadas ou de grande surpresa. Reagia meio que sempre da mesma forma e se mudava algo era só por dentro.

O Azul do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora